21/08/2013

Para superar a armadilha parlamentar

Governabilidade, essa impronunciável e maldita palavra

Como sair da camisa de força do Congresso Nacional? Como não ficar refém do parlamento viciado? Como soltar as amarras do poder econômico, que comanda seus títeres congressuais através do financiamento privado das campanhas? Esse é o debate principal

Diogo Costa
Dez entre dez militantes de esquerda tem verdadeiro horror à palavra "governabilidade". Este vocábulo tornou-se maldito e até mesmo um sinônimo de conformismo para certos setores da esquerda. É possível governar um país como o Brasil sem levar em conta a tal de "governabilidade"? Evidente que é! Fernando Collor de Mello que o diga... A questão não é essa, mas sim que um governo de esquerda não deve e não pode ficar refém da lógica parlamentar.
 
É preciso governar em estreita sintonia com os movimentos sociais, sindicais e estudantis, justamente para que seja possível sair da lógica perversa de um parlamento viciado, e para que se possa pressionar por mudanças legislativas estruturais. Isso é o óbvio e creio que quanto a isto não restam dúvidas algumas.
 
Mas voltemos (mesmo que a contragosto) ao tema inicial, do termo tido e havido como impronunciável e maldito. Para tanto, vale relembrar algumas passagens da história recente. Antes, todavia, lembremo-nos de que em 1989 tivemos uma eleição "solteira", o parlamento somente foi renovado nas eleições de 1990. Feito o registro, sigamos em frente.
 
- Em 1990, o PRN de Collor elegeu 40 deputados federais e 2 senadores;
- Em 1994, o PSDB de FHC elegeu 62 deputados federais e 6 senadores;
- Em 1998, o PSDB elegeu 99 deputados federais e 4 senadores;
- Em 2002, o PT elegeu 91 deputados federais e 10 senadores;
- Em 2006, o PT elegeu 83 deputados federais e 2 senadores;
- Em 2010, o PT elegeu 88 deputados federais e 11 senadores.
 
Dilma Rousseff fez a proposta mais progressista e mais ousada dos últimos tempos, ao enviar ao parlamento a proposta de Constituinte Exclusiva para a reforma política Sabemos todos que o Congresso Nacional é composto por 513 deputados federais e por 81 senadores. E também sabemos que para se aprovar um projeto de lei qualquer são necessários os votos de 50% dos parlamentares (257 deputados federais e 41 senadores). E, novamente, sabemos que para se aprovar uma Emenda Constitucional são necessários os votos de 60% dos parlamentares (308 deputados federais e 49 senadores).
 
Este é o quadro fático das representações parlamentares dos partidos que comandaram o país de 1989 para cá. É equivocado afirmar que todo e qualquer presidente brasileiro vive em estado permanente de chantagens e de pressões parlamentares?
 
O caso do Partido dos Trabalhadores é ainda pior. Ao contrário do PSDB, que sempre contou com o apoio explícito da mídia venal, o PT enfrenta a camisa de força parlamentar e oposições ferrenhas extra parlamentares, em diferentes setores, e, notadamente, na mesma mídia venal, saudosa de FHC.
 
Não foi o PT que se afastou dos movimentos sociais, mas os próprios movimentos sociais que perderam protagonismo político. E precisam retomar esse protagonismo o quanto antes! Como sair dessa camisa de força do Congresso Nacional? Como não ficar refém do viciado parlamento? Como soltar as amarras do poder econômico, que comanda seus títeres congressuais através do financiamento privado das campanhas? Esse é o debate principal. E aí vem o dilema de sempre... Dilma Rousseff fez a proposta mais progressista e mais ousada dos últimos tempos, ao enviar ao parlamento a proposta de Constituinte Exclusiva para a reforma política (posteriormente virou plebiscito). O que aconteceu?
 
A proposta foi cruel e instantaneamente bombardeada, sabotada e sufocada pelo parlamento, pela "grande mídia" e até mesmo por alguns "blogs progressistas"! Lamentavelmente não se viu a voz das ruas cobrarem com veemência a reforma política.
 
A redução da jornada de trabalho para 40 horas e o tema da reforma política seriam dois pontos de possível unidade das esquerdas A solução para sair do paralisante impasse parlamentar e para furar o poder econômico passa pelo aumento da participação popular na elaboração do orçamento público e das políticas públicas. É preciso aumentar e consolidar a feitura das Conferências Nacionais (sobre todos os temas possíveis). E porque não implantar um Orçamento Participativo em nível nacional?
 
Por fim, é preciso sim da força das ruas, mas sem romantizar os acontecimentos atuais. As juninas "Marchas sobre Roma", ou o vindouro "Putsch da Independência", não fazem parte da pauta e dos interesses da classe trabalhadora. Não vamos nos iludir!
 
Os movimentos sindicais, sociais e estudantis precisam se reinventar, precisam de novas pautas e de novas lutas, precisam retornar às ruas com demandas que sensibilizem a população.
 
Não foi o PT que se afastou dos movimentos sociais, mas os próprios movimentos sociais que perderam protagonismo político. E precisam retomar esse protagonismo o quanto antes!
 
Neste momento, para não haver dispersões, seria deveras importante encontrar alguns pontos de acordo, para unificar as lutas da esquerda. Penso que a redução da jornada de trabalho para 40 horas e o tema da reforma política seriam dois pontos de possível unidade das esquerdas. Talvez resida aí o caminho para que a esquerda retome o protagonismo e a direção dos movimentos sociais e das ruas do país.
 
Ou vamos nesta direção ou seguiremos amaldiçoando a tal de "governabilidade" e a camisa de força parlamentar, sem construir os instrumentos que possibilitem a superação destes históricos impasses.