03/10/2005

Maior prioridade à eleição parlamentar

Fernando Luiz Abrucio

A ascensão de Severino Cavalcanti e as denúncias do mensalão pioraram ainda mais a imagem da Câmara Federal, normalmente mal vista pela opinião pública. A eleição do novo presidente da Casa, o deputado Aldo Rebelo, embora signifique um enorme avanço em relação à Era Severina, foi marcada pela grande interferência do Poder Executivo no processo, com as usuais promessas de cargos e verbas para conquistar votos. Ressalte-se que o ocorreu na semana passada não é novidade, pois práticas semelhantes foram usadas pelos presidentes Sarney e FHC para obter o comando do Legislativo.


O que mais chamou a atenção é que, qualquer que seja o postulante à presidência da Câmara, ele necessita dos votos do chamado baixo clero, composto por deputados vinculados ao clientelismo, à mudança frenética de legendas e, em muitos casos, à corrupção. Este é o cenário que deveria ser analisado no dia seguinte, e não o rame-rame do debate governo versus oposição, no qual surgem figuras criticando o que ocorre hoje se esquecendo do que fizeram num passado muito recente.


De tudo que ocorreu nesta crise, uma lição deve ser rapidamente apreendida: os grandes partidos precisam, urgentemente, dar maior prioridade às suas estratégias para a eleição congressual. É possível mostrar que os problemas institucionais do sistema político podem favorecer a lógica de atuação do baixo clero, particularmente por conta da coligação no pleito proporcional e da facilidade para se trocar de partido. Porém, a principal causa formadora dos Severinos encontra-se tanto na má seleção dos postulantes a deputado como na excessiva centralidade dada à disputa pelo Executivo, ambos os fatores muito presentes nas principais legendas. Não há Severinos apenas no PP, PTB e PL e adjacências, além de as siglas maiores aceitarem o jogo do troca-troca partidário quando lhes convêm - o PSDB e o PFL no governo anterior, o PT neste e o PMDB, sempre.


Ao dar um caráter secundário à eleição congressual, os grandes partidos prestam um desserviço à democracia. Os deputados e senadores têm um papel importantíssimo na elaboração das leis e no controle dos governantes. Triste do país em que o Legislativo só é reverenciado em períodos autoritários, exatamente quando ele é fechado ou calado.


O custo de governar com um parlamento repleto de Severinos é, ademais, muito alto. Do início da atual legislatura até o fim do prazo para mudança de legenda, houve cerca de 300 trocas de partido. Na grande maioria dos casos, isso envolveu barganhas e chantagens que geralmente comprometem a qualidade da administração pública e, pior, não garantem efetivamente o apoio político. Se a oposição, particularmente os tucanos, fixar-se apenas na reconquista do Palácio do Planalto, ela terá enormes dificuldades de montar uma base de apoio sem negociar com o baixo clero na linguagem que ele entende: clientelismo puro e negociação constante.


Eleição de Aldo revela força do baixo clero


A sociedade e a mídia que tanto reclamam do Congresso Nacional têm também sua parcela de culpa. O debate social sobre os candidatos a deputado federal é insignificante, para não falar do silêncio que cerca os pleitos para as Assembléias Legislativas. Numa era em que se exalta o papel das ONGs e da responsabilidade social, poucas são as organizações ou empresas que discutem com seus membros, associados ou potencial público o processo de escolha do parlamentares que serão responsáveis pelos destinos do país.


Entidades do Terceiro Setor vêm atuando com grande qualidade no âmbito de uma série de políticas públicas. Poderiam utilizar este mesma efetividade se juntando e disseminando pelo país afora a importância de se eleger congressistas de melhor nível. Se conseguem chegar às periferias e aos morros das grandes cidades, bem como ao semi-árido e à floresta amazônica, por que não usar esta capilaridade para lutar pela renovação qualificada do Congresso Nacional?


Vale o mesmo puxão de orelhas à imprensa. O leitor precisaria ter mais matérias de acompanhamento efetivo dos congressistas, baseado mais em números e análises objetivas do que nas fofocas dos corredores do Congresso. Além disso, reportagens sobre a relação entre os deputados e suas bases mostrariam qual é a lógica profunda que comanda a política brasileira. Na legislatura passada, ACM e Jader Barbalho renunciaram para não perder os direitos políticos e, desse modo, puderam concorrer e voltar para Brasília.


Por que isso aconteceu? Não houve uma profunda investigação jornalística sobre esse fenômeno nos grandes jornais do país. Se alguns dos acusados do "mensalão", cassados ou não, forem reeleitos no ano que vem, aí então será tarde para informar os leitores.


A concepção imperial do presidencialismo brasileiro, segundo a qual só o Poder Executivo tem a capacidade de nos "salvar", domina tanto a elite política e social do país como a grande massa do eleitorado. E em vez dos formadores de opinião lutarem efetivamente contra essa visão, reforçam-na por uma prática que combina crítica e preconceito contra o Legislativo com a inação no momento da eleição congressual.


Os Severinos não são ETs; nascem, ao contrário, da vontade dos cidadãos brasileiros e da incapacidade dos grandes partidos e das principais organizações sociais - ONGs, empresas, sindicatos, associações de classe, mídia - de mudarem a composição do Congresso Nacional.


Notem que o recado está sendo dado em 2005. Espero que não percamos a oportunidade de enfraquecer o baixo clero em 2006 e só voltemos a falar do assunto em 2007, quando já será tarde para mudar e nos restará apenas o resmungo estéril.