25/10/2012

blog Carlos Orsi - ciência, cultura, opinião

Mensalão e o veredicto escocês

Carlos Orsi

Não tenho, evidentemente, competência técnica para opinar sobre os padrões de prova usados pelo STF para separa culpados de inocentes no caso do mensalão, mas o debate todo me fez lembrar de uma curiosidade histórico-jurídica: o veredicto escocês.

 

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Diferentemente da maioria dos países do mundo, na Escócia um tribunal penal tem três veredictos possíveis,em vez de apenas dois -- os tradicionais culpado e inocente. Além dessas categorias, um réu na Escócia pode acabar vendo-se enquadrado numa terceira classe, "não provado".

Um veredicto de "não provado" significa, na prática, uma absolvição no sentido jurídico -- ninguém vai preso -- mas pode ser uma condenação no sentido moral. Uma piada comum é a de que uma decisão de "não provado" significa "inocente, mas não faça isso de novo".

Historicamente, o veredicto triplo escocês parece ter surgido no século XVIII, quando um júri decidiu declarar que um réu contra o qual havia provas contundentes era "inocente". Até então, a Justiça escocesa aceitava apenas dois veredictos -- "provado" e "não provado", sendo que uma decisão de "provado" levava à aplicação da pena. No caso emblemático, os jurados consideraram que o réu, embora tivesse o caso provado contra si, era moralmente inocente.

A tradição do terceiro veredicto é alvo de polêmica na Escócia, de acordo com a Wikipedia. Seus detratores dizem que uma decisão de "não provado" pode lançar um peso de condenação moral e social sobre pessoas inocentes. Já seus defensores o veem como um meio de os jurados absolverem réus, mesmo se convencidos de sua culpa moral, caso as provas concretas do caso não sustentem a acusação.

Assim, o "não provado" pode funcionar tanto como a imposição de um estigma social quanto como um modo de impedir que inocentes, enredados em evidências circunstanciais, sejam indevidamente punidos pelo Estado. Este artigo defende uma ampliação do sistema de veredictos dos EUA para um modelo similiar ao escocês, argumentando que a dicotomia "culpado"-"inocente" limita a liberdade de expressão do júri.

No caso do mensalão, é difícil imaginar como a liberdade de expressão dos ministros do STF poderia ser vista como "limitada", dada a caudalosa prolixidade dos votos proferidos, mas a mensagem final acaba sendo sempre a de "condenado/culpado" ou "absolvido/inocente".

Uma opção "não provado", equivalente a "absolvido/culpado", talvez tivesse salvo algumas pessoas da cadeia -- ou, de modo inverso, tornado algumas condenações ainda mais contundentes, do ponto de vista moral.