08/12/2013

El País

Oposição da mídia, do capital e de altos funcionários do aparelho de Estado é mais forte que PSDB, DEM, PPS e Rede juntos

El País entrevista Rui Falcão, presidente reeleito do Partido dos Trabalhadores

Carla Jiménez e Luis Prados
Ricardo Weg / El País
Rui Falcão
No dia da sua primeira entrevista como presidente reeleito do Partido dos Trabalhadores (PT), no feriado de 15 de novembro, o deputado Rui Falcão acabava de receber a notícia da prisão do um de seus antecessores nesse cargo, José Genoino, além do exministro José Dirceu. Não cancelou a entrevista, e manteve a postura suave que o caracteriza, mas não emitiu opiniões a respeito da prisão. “Minha manifestação é a mesma que foi emitida pelo diretório em novembro do ano passado”. Na ocasião, o PT soltou uma nota de repúdio sobre o julgamento da ação 470, que apontava cinco pontos controversos na decisão do Supremo Tribunal Federal de condenar os petistas arrolados no caso do mensalão. Futuro coordenador da campanha política a presidenta Dilma Rousseff à reeleição, Falcão não esconde sua reserva em relação à mídia. “Há uma preferência pela partidarização”, avalia. Embora nem tudo que o PT sugira tenha sido acolhido no Governo de Rousseff, ele quer insistir na aprovação na lei de democratização da mídia. Que ele garante não ter nada a ver com a proposta da presidenta argentina, Cristina Fernandez de Kirchner.
 
Pergunta: Quais são os principais desafios na renovação da sua presidência do partido, ou seja, para onde o PT olhará daqui em diante?
Resposta: O primeiro desafio é a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. Para isso, precisamos criar condições na sociedade, e não só para que ela seja reeleita, mas para ampliar as nossas bancadas no Congresso, nos Governos estaduais, para que, com essa base social, e esse respaldo institucional, ela possa fazer um segundo Governo, melhor ainda que o primeiro. Para fazer as reformas estruturais que o país há muito tempo almeja.
 
P: Quais reformas, por exemplo?
R: Reforma do sistema político eleitoral, o fim do financiamento privado, para combater o peso do poder econômico e da corrupção, a participação das mulheres, tendo chapas com paridade de gênero, e a ampliação de mecanismo de participação popular, previstos na Constituição, como plebliscitos, que hoje já existem, mas têm tantas barreiras e na prática não são acionados. Outra reforma que poderia ser feita no próximo período é a democratização dos meios de comunicação. Nada a ver com restrição de liberdade de expressão, mas regulamentação dos artigos da Constituição que cuidam do direito social a comunicação. E principalmente o artigo que proíbe os monopólios e oligopólios na comunicação. E ainda, a reforma de partidos operários, a questão da mobilidade urbana, a reforma tributária, e uma política fiscal mais justa.
 
P: Quando se fala em quebrar monopólios da mídia, a primeira coisa que vem à mente é a Argentina, que passou por algo parecido recentemente, quando a presidenta Cristina Fernandez interveio nos jornais. Qual é o plano do PT?
R: A realidade política, social, cultural e econômica da Argentina é totalmente diferente da nossa. Nós não propomos nenhuma expropriação de indústria de papel, nenhum tipo de controle de conteúdo. A regulamentação é mais voltada para os meios eletrônicos de comunicação. Não tratamos de jornalismo impresso, onde há concorrência. Mas dos meios eletrônicos, as televisões, que são concessão pública. E como qualquer serviço, ela precisa de uma agência reguladora, como existe na Inglaterra, na Itália, na França etc. Queremos discutir pluralidade, regionalização, e a proibição de monopólio. Um único grupo deter meios que significam 50% ou 60% da audiência, e que recebem, portanto, mais de 50% de verbas de publicidade oficiais.
 
P: O senhor se refere à rede Globo?
R: É um monopólio, mas tem quatro ou cinco canais que produzem conteúdo, é dessa regulamentação que se trata. E proibir também aqueles que concedem o serviço e podem se beneficiar dele. Há o caso dos políticos que dominam os meios de comunicação, que autorizam a concessão para si próprios. Quem está nessa situação, ou transfira sociedade do canal de TV, ou abdique de mandato parlamentar.
 
P: Surpreende ver o PT na defensiva. Depois de 13 anos no poder, o partido descobre que a prioridade da democratização dos meios está no mesmo nível da reforma tributária, ou da reforma da mobilidade?
R: Há uma diferença entre o PT e o Governo. O PT tem essa bandeira de democratização dos meios desde a sua fundação (nos anos 80). E faz sentido porque nós nascemos fazendo democracia, combatendo a censura, denunciando tortura. O PT é fruto da união de pessoas que lutaram contra a ditadura, com as comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, do sindicalismo. Então, temos um compromisso com o aprofundamento da democracia. Não pode ser com os atuais monopólios. Ocorre que os Governos que sucederam a ditadura já estavam associados a esses meios. Não tinham interesse em mudar esses meios. Não há apoio suficiente no Congresso para enviar um projeto do marco regulatório. O presidente Lula, no final do governo, concluiu uma proposta e deixou o projeto para o Governo Dilma que, num primeiro momento, mandaria esse projeto reformulado para consulta pública, mas ela mudou de ideia. Nós, em associação com um grupo de jornalistas e entidades, estamos insistindo nessa bandeira, caso a presidenta Dilma for reeleita, que ela envie o projeto para o Congresso.
 
P: Mas o projeto esteve na gaveta...
R: …do Governo. O PT, ao mesmo tempo em que está no Governo, dá sustentação e apoia nosso Governo, tem suas diferenças porque dialoga com a sociedade, e há muitas demandas que acolhemos. Nem tudo o que queremos tem curso ou acolhida, porque este é um Governo de coalizão.
 
P: Há alguma bandeira revolucionária para a mobilidade, que venha a ser apresentada na campanha?
R: Há dezenas de estudos dos técnicos sobre mobilidade urbana. O principal convencimento será a construção de mais quilômetros de metrô. Que é um modal mais caro, exige maiores investimentos. Tem ainda o Veículo Leve sobre Trilhos, a abertura de novas avenidas, as faixas exclusivas (para ônibus) como as de São Paulo. Mas quero crer que é preciso ter mais metrô. O metrô do México começou no mesmo ano que o metrô de São Paulo, e o México tem mais malha metroviária que São Paulo. Isso por conta de superfaturamento, corrupção etc. Isso explica por que há tanto problema de mobilidade urbana.
 
P: Havia expectativa gigante de que se avançasse em infraestrutura durante o mandato da presidenta. Mas ela não colheu os resultados esperados, e ainda se investe pouco no Brasil, e veio o rótulo de um governo intervencionista. Como se livrar disso?
R: Você disse tudo, trata-se de um rótulo, diferentemente da realidade. Temos em vários trechos do país rodovias quase concluídas, novos portos sendo lançados, novos editais que serão publicados. Intervencionismo não existe. Para que prioridades do país sejam efetivadas, o Estado aponta as áreas que podem ser abertas. O setor privado mede o risco e o custo benefício. É fundamental que haja investimento privado, pois o Estado não tem como prover todos os recursos, sem prejudicar áreas como saúde, educação. Então é necessário convocar o investimento privado, quem se beneficia da logística é ele mesmo. Precisa dessa parceria. Em vários setores a iniciativa privada tem ido, inclusive, com incentivos que depois ela mesma critica.
 
P: Como poderão fazer todas as reformas em infraestrutura num momento de desaceleração econômica, e com previsões pouco otimistas para o ano que vem?
R: Hoje no mundo todo há desaceleração da economia. Nós tivemos duas crises em cadeia, a de 2008, mais fácil para os países reagirem, como foi o nosso caso, com o estímulo ao mercado interno. E ainda a de 2011, que já levou a uma recessão mais profunda, com países, na Europa, desabando. Os Estados Unidos ainda vivem uma recuperação branda e geram insegurança no mundo sobre a política de estímulos. E o Brasil tem escapado relativamente ileso no que diz respeito a emprego, distribuição de renda etc.
 
P: Agora o país escapa ileso também?
R: Escapa no que são os valores fundamentais para a gente. Consumo, emprego, renda e inflação sob controle. Atravessamos o ano de 2008, e até agora, nessa condição. Evidente que PIB foi baixo ano passado, diferente do que queríamos, mas dentro da média de crescimento do PIB mundial, foi positivo. Mesmo o México, tido como modelo, terá um PIB inferior ao nosso. Com esse crescimento atual, podemos manter o nível de emprego, renda, e o que se tentará agora, é alavancar mais investimento privado, para poder fazer frente aos investimentos em infraestrutura. Contamos, inclusive, com investimento externo relativamente alto este ano.
 
P: Menor neste ano que ano passado...
R: Sim, mas elevado, só no primeiro trimestre, 30 bilhões de dólares ou 60 bilhões de dólares até o final do ano. Acho que é possível manter a economia positiva, mantendo infraestrutura pelas novas concessões, aeroportos, e também, mantendo a inflação sob controle, e caindo para além da banda, podendo se aproximar, até o final do governo Dilma, do centro da meta (4,5%).
 
P: E o emprego não foi um camisa de força em algum momento? Houve subsídios, que terminaram por afetar outros fundamentos. E a grande queixa do setor privado é a mudança de mensagens, como é o caso do superávit fiscal, num país que tem pânico da falta de previsibilidade.
R: Acho que meta de superávit fixa é uma camisa de força. Não se pode exagerar em prazos, números e metas, pois isso afeta credibilidade. Se digo que inflação vai ser 4,5% e depois reviso, dá problema. Melhor não fazer previsão.
 
P: Há gente muito grata ao governo de Lula, e ao mesmo tempo, querem uma mudança. Como se explica isso?
R: Acho natural, porque graças ao Governo Lula e Dilma, cerca de 40 milhões de pessoas ascenderam socialmente. Conquistaram novos direitos e novas condições de vida. E vemos com naturalidade, dentro do PT, que cada direito e cada conquista possam criar novos direitos e novas conquistas.
 
P: É fato que houve um milagre social, mas dá a sensação de que o futuro do PT está no passado, com suas velhas bandeiras.
R: Nós valorizamos o passado e o presente. E estamos a cada momento relembrando conquistas, que não são milagres, mas resultados de ações políticas efetivas. Mas nós relembramos para fazer comparação com o passado. Porque o passado que pretende voltar (a oposição) é um passado de exclusão, de desemprego, de miséria, ausência de preocupação com as maiorias sociais. Por isso essa comparação é sempre necessária, e a faremos durante a campanha também. Mas teremos propostas de construção do futuro, como criação de emprego de melhor qualidade, uma aspiração dos jovens.
 
P: Pessoalmente, as manifestações de junho o surpreenderam?
R: Sim, nós todos fomos pegos de surpresa, porque há muito tempo não havia manifestações de rua, às quais estamos acostumados, e fomentamos muitas durante muito tempo. A surpresa é que começaram, inicialmente, com o movimento Passe Livre, do qual nós mesmos participamos, e foi ganhando adesão de frações de classes com interesses diferenciados, e num determinado momento a própria mídia, que havia apelado para repressão desses movimentos, tomou o partido deles. E essa repressão fez o movimento crescer, e passou a tentar dirigir com outras bandeiras. Como nunca tememos a voz das ruas, acho que a resposta que a presidenta Dilma deu foi muito positiva, com cinco pactos, quatro em andamento, e um deles, continuamos insistindo, mas a maioria é fechada ao assunto, que é a reforma política.
 
P: O senador Aécio Neves, do partido de oposição, propôs que o Bolsa Família seja uma política de Estado.
R: Ele propõe duas coisas. Primeiro, uma lei que torna o BF um programa da Lei Orgânica e da Assistência Social. Para nós, isso é restringir o benefício, pois ele não se limita a assistência. É uma porta para a empregabilidade e para outros programas sociais do Governo, inclusive o Minha Casa Minha Vida, que têm o Bolsa Família como âncora. Ao transformá-lo em assistência social, restringe o seu alcance.
 
P: O presidente Lula terá papel de destaque na campanha da Dilma?
R: Com certeza. Antes, ele era presidente da República, e tinha de dosar discursos. Desta vez, ele está totalmente desimpedido, e já se dispõe a entrar pesado na campanha, principalmente a partir de março, e vai iniciar viagens por todo o país, participando da campanha. Vamos construir uma agenda para circular o país todo em campanha.
 
P: E as relações entre Dilma e Lula, como estão?
R: Muito positivas.
 
P: Positivas é o mesmo que boas?
R: Sim, mais que boas. Ela tem um profundo respeito por ele, que praticamente garantiu sua eleição, e ele por ela, a tal ponto que Lula diz: “Não há nenhuma divergência entre ela e eu. Se alguma vez surgir alguma divergência, ela tem razão.”
 
P: A política externa brasileira tem sido muito tímida. Há quem defenda que o ex presidente Lula era mais ousado que a Dilma. De que maneira isso vai ser conduzido?
R: Houve um interregno (intervalo) entre a saída do ministros Celso Amorim (que ocupou a pasta das Relações Exteriores no governo Lula) e a entrada do novo ministro (Antônio Patriota, demitido em agosto deste ano), que tinha posição menos pró-ativa que o ministro Amorim. Isso culminou na substituição dele, e na inauguração de um novo ciclo, que pode dar frutos mais proveitosos que o anterior, aproveitando a integração latinoamericana, e dando base para um acordo com a União Europeia, sem deixar de lado nossas políticas já consolidadas, com países africanos, e com a China.
 
P: O papa Francisco tem batido na tecla da corrupção na política. Isso pode influenciar a temática nas campanhas?
R: Combate à corrupção é um grande anseio da sociedade, ninguém mais que o PT combateu a corrupção. Os principais instrumentos de combate foram reativados ou criados no governo Lula e mantidos no Governo Dilma: por exemplo, Controladoria Geral da União, reaparelhamento da Polícia Federal, Lei de Acesso à Informação. Muito da corrupção existente há séculos apareceu agora e foi combatida. Nós estamos prontos para fazer comparações. Do mesmo jeito que existe julgamento da ação 470 (mensalão), o mensalão mineiro (onde há um político tucano envolvido) permanece impune, e quase prescrevendo. Isso mostra também que há discursos e práticas diferentes de combate à corrupção.
 
P: Há alguma estratégia para o mensalão mineiro?
R: Ele está aí, de vez em quando a mídia relembra. Mas nós não podemos fazer nada, quem tem de cuidar disso é a Justiça.
 
P: O senhor fala da mídia, mas já há bastante divulgação com ênfase no cartel de trens, em São Paulo, e dando destaque à máfia dos fiscais na prefeitura. Não há um pouco de implicância com a mídia?
R: Não há cobertura simultânea, do cartel de trens e da ação dos fiscais. A ação dos fiscais coloca em segundo plano o cartel. Quando uma das gravações (do caso dos fiscais) diz que o ex prefeito (Gilberto Kassab) sabia de tudo, um jornal em São Paulo faz uma manchete dizendo: “Prefeito sabia de tudo”, com uma foto do atual prefeito petista, Fernando Haddad, ao lado. Há uma certa preferência pela partidarização. E a divulgação de fatos notórios é uma condição para que haja veracidade ao público. Temos de trabalhar com realidade, com omissão, distorção, e meia-verdade. Isso é o comportamento médio da mídia brasileira. Nao se trata de censurá-la por isso. Mas de compreendê-la.
 
P: Tenho a sensação de que vocês temem mais a oposição da mídia do que a oposição política.
R: Mais forte que oposição partidária é um conjunto de setores do grande capital, da mídia monopolizada, e de altos funcionários do aparelho de estado. Presentes em áreas do Judiciário, e do Ministério Público. Essa é a oposição mais poderosa. Mais do que o PSDB, o DEM, PPS e a Rede juntos.