26/05/2013

Moda

Revoluxão!

versão original (outra versão foi publicada na Folha de S.Paulo)

Vivi Whiteman

 

Ruas em chamas, clima de guerrilha. O rebelde usa lenço Vuitton para esconder o rosto; a mocinha se arma com um cinturão da Gucci, enquanto um companheiro da linha de frente lança um coquetel molotov de champagne.  Cenas de uma campanha publicitária lançada neste mês para divulgar a revista “Black Card”, dedicada ao universo do luxo.

 

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Batizado de Revoluxury  (em português, a tentação é traduzir como “Revoluxão”,  algo que poderia ter saído do abecedário da Xuxa), o comercial fala, segundo seus idealizadores, sobre “o direito de lutar pelo luxo”. Tempos difíceis...

 

Nos últimos meses, houve uma avalanche midiática sobre o assunto. Não apenas o comercial, mas o lançamento de três filmes que tocam a questão. O “The New York Times” capturou a tendência e publicou um artigo falando sobre a tentação sensual do dinheiro e seus produtos.

 

Quem está do outro lado da trincheira, contra quem lutam os “revoluxonários”? Se eles estão do lado dos bilhões, só podem estar lutando contra o lado mais pobre. São os partidários do bolsa-Chanel contra os bolsa-família. O artigo cita o remake de “O Grande Gatsby”, com personagens rodeados  por um luxo pornográfico na década de 20;  “Spring Breakers”, de Harmony Korine, com as gatas marginais que assaltam para realizar sonhos de consumo; e de “The Bling Ring”, o novo filme de Sofia Coppola, em que jovens invadem casas de celebridades para roubar coisas como bolsas e lingeries, não com entradas violentas, mas num tipo de abordagem “cleptomaníaca  VIP”.

 

O texto termina denunciando nosso tempo como o da busca por prazeres tão superficiais quanto nossa ideia de felicidade, no que tem toda a razão.  Assim como acerta em cheio em destacar a importância, nessas tramas, de uma figura essencial: o indivíduo que não pode ter certos objetos, mas pode sonhar com eles e acreditar que merece tê-los.

 

Desolado, o autor convida o leitor a chorar. Bom, se até Jesus chorou...

 

Agarre seu lencinho  e voltemos ao comercial: a quem ele se destina? Quem é que os publicitários convocam a lutar pelo direito ao luxo? Os muito ricos? A resposta é não e sim.

 

Vejamos a parte do não. Os milionários modernos, esses que posam no Instagram de bermuda e chinelo, estão ocupados com voos mais altos no plano do consumo. Viagens espaciais, tratamentos preventivos que acrescentarão décadas a seus tempos de vida e seleção genética de seus descendentes estão entre os produtos que podem adquirir aqui e agora. Sim, eles têm boas camisas e lençois  finos, mas os usam com a naturalidade de quem estica a mão para alcançar o rolo de papel higiênico. Não ostentar é a nova ostentação.

 

Agora o sim. Para manter o show do bilhão ativo, o mercado de bugigangas divinas precisa andar. As “spring breakers” precisam querer viajar para a praia da hora. As mocinhas que leem revistas de moda precisam querer o sapato que a atriz do momento está usando. É preciso ter nações inteiras de bebês mimados gritando “eu também mereço essa bolsa de R$ 5 mil” para garantir os ovos de ouro da casta superior.

 

O alvo do comercial “Revoluxury” e os personagens mais importantes dos filmes citados pelo “NY Times” são as elites emergentes e o mutante chamado classe média. Conjuntos de indivíduos infantilizados, com desejos de reparação e status. O paraíso do publicitário esperto.

 

Olhando pela TV e outros horizontes, a massa é ensinada a desejar. Que muitos consigam alcançar seus objetivos somente pela via da pistola na cabeça, feito as gatas de Korine, faz parte do jogo, esse mesmo controlado pelos bilionários despojados, bonzinhos, que doam dinheiro para a caridade.

 

Incentivar que tantos outros ricos de segunda e milhões de filhos da classe média façam da “existência enquanto design” sua plataforma social, sua guerrilha, é ainda mais violento. Trata-se do patrocínio da exclusão e da desorganização política maquiado com a sombra da “qualidade de vida”.  

 

Uma última pergunta. Quem está do outro lado da trincheira, contra quem lutam os “revoluxonários”? Se eles estão do lado dos bilhões, só podem estar lutando contra o lado mais pobre. São os partidários do bolsa-Chanel contra os bolsa-família, os “queremos Louboutin” contra a ideia de se identificar com as solas nada glamurosas da massa trabalhadora “sem verniz”.