17/07/2013

Lamentações

A Igreja que não existe mais

Ariovaldo Ramos
 
“Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E cada dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos.” At 2. 43-47
 
Na época do surgimento da Igreja do Novo Testamento, a palavra igreja significava, apenas, uma reunião qualquer de um grupo organizado ou não. Assim, o texto nos revela que havia um grupo organizado em torno de sua fé (Todos os que criam estavam unidos) – todos acreditavam em Cristo.
 
Segundo o texto, os participantes do grupo do Cristo não tinham propriedade pessoal, tudo era de todos (tinham tudo em comum) – os membros desse grupo vendiam suas propriedades e bens e repartiam por todos – e isso era administrado a partir da necessidade de cada um; e se reuniam todos os dias no templo; e pensavam todos do mesmo jeito, primando pelo mesmo padrão de vida (unânimes); e comiam juntos todos os dias, repartidos em casas, que, agora, eram de todos, uma vez que não havia mais propriedade particular; e eram alegres e de coração simples; e viviam a louvar a Deus; e todo o povo gostava deles, e o grupo crescia diariamente. Diariamente, portanto, havia gente acreditando em Cristo, se unindo ao grupo, abrindo mão de suas propriedades e bens e colocando tudo a disposição de todos.
 
Essa Igreja era a Comunhão dos santos – chamados e trazidos para fora do império das trevas, para servirem ao Criador, no Reino da Luz.
 
Essa Igreja não precisava orar por necessidades materiais e sociais, bastava contar para os irmãos, que a comunidade resolvia a necessidade deles.
 
Deus havia respondido, a priori, todas as orações por necessidades materiais e sociais, fazendo surgir uma comunidade solidária.
 
O pedido “O pão nosso de cada dia, dá-nos hoje” (MT 6.9) estava respondido, e diariamente.
 
Então, para haver o “pão nosso” não pode haver o pão, o bem ou a propriedade minha, todos os bens e propriedades têm de ser de todos.
 
Mais tarde, eles elegeram um grupo de pessoas, chamadas de diáconos – garçons, para cuidar disso (At 6.3). Então, diante de qualquer necessidade, bastava procurar os garçons, que a comunidade cuidava de tudo. Era o princípio do direito: se alguém tinha uma necessidade, a comunidade tinha um dever.
 
Essa Igreja não existe mais!
 
“Está doente algum de vós? Chame os anciãos da igreja, e estes orem sobre ele, ungido-o com óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.” Tg 5.14,15
 
Os membros da comunidade do Cristo não precisavam orar por cura física, bastava procurar os presbíteros: lideres eleitos pelo povo, a partir de suas qualidades como cristãos (1Tm 3.1-7), que eles ungiriam com óleo, que representa a ação do Espírito Santo, porque é o Espírito Santo quem unge e cura (Lc 4.18), e a pessoa seria curada; claro, sempre segundo a vontade do Senhor, porque essa é a regra de ouro: “Venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na Terra como no Céu” (MT 6.10).
 
Os crentes em Jesus de Nazaré não precisavam fazer varredura espiritual para ver se tinham qualquer problema, parecido com o que hoje é chamado de maldição hereditária, ou similar. A oração dos presbíteros ministrava o perdão de Deus, conquistado por Cristo na cruz e na ressurreição.
 
Deus havia respondido todas as orações por cura física pela instituição de presbíteros, que tinham a autoridade para ministrar o poder de Cristo sobre a enfermidade, segundo a vontade de Deus, dependendo, portanto, apenas, do que o Altíssimo tivesse decidido sobre a pessoa em questão.
 
Essa Igreja não existe mais!
 
Pelo que orava a Igreja do Novo Testamento?
 
“Mas eles ainda os ameaçaram mais, e, não achando motivo para os castigar, soltaram-nos, por causa do povo; porque todos glorificavam a Deus pelo que acontecera; pois tinha mais de quarenta anos o homem em quem se operara esta cura milagrosa. E soltos eles, foram para os seus, e contaram tudo o que lhes haviam dito os principais sacerdotes e os anciãos. Ao ouvirem isto, levantaram unanimemente a voz a Deus e disseram: Senhor, tu que fizeste o céu, a terra, o mar, e tudo o que neles há; que pelo Espírito Santo, por boca de nosso pai Davi, teu servo, disseste: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs? Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma, contra o Senhor e contra o seu Ungido. Porque verdadeiramente se ajuntaram, nesta cidade, contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, não só Herodes, mas também Pôncio Pilatos com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho predeterminaram que se fizesse. Agora pois, ó Senhor, olha para as suas ameaças, e concede aos teus servos que falem com toda a intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para curar e para que se façam sinais e prodígios pelo nome de teu santo Servo Jesus. E, tendo eles orado, tremeu o lugar em que estavam reunidos; e todos foram cheios do Espírito Santo, e anunciavam com intrepidez a palavra de Deus.” At 4.21-31
 
Oravam para que nenhum sofrimento os impedisse de glorificar a Cristo, de anunciá-lo com coragem e determinação – o Cristo que eles viviam diariamente pela fraternidade solidária. Oravam por missão!
 
Para além da Igreja que está sob perseguição, não há sinal de que essa Igreja ainda exista!
 
Essa Igreja não existe mais!
 
O que existe?
 
- A Comunhão dos santos existe na realidade da Igreja invisível. Mas, que relevância tem na história uma igreja invisível?
- Ajuntamentos cúlticos – há os que procuram se pautar pela Bíblia, e os que nem tanto.
- Instituições (muitas e cada vez mais) – há as que ainda tentam ser apenas um odre para o vinho, e as que nem tanto.
- Discursos sobre Cristo e sua obra – há os que falam sobre Jesus, segundo a Bíblia, e os que nem tanto.
- Conversões pessoais – há as que trazem marcas do Novo Testamento, e as que nem tanto.
- Missionários – há os que pregam a Cristo, sua morte e ressurreição, e os que nem tanto. O apoio ao missionário está mais para esmola do que para sustento.
- Ação social – há as que querem emancipar o pobre, por amor a Cristo, e as que nem tanto.
- Pastores e Lideres – há os que tentam alcançar o padrão dos presbíteros do Novo Testamento, e os que nem tanto.
- Títulos – em profusão, contrastando com a escassez de irmãos.
- Orações – principalmente, por necessidades materiais, sociais e de cura, que parecem não ser respondidas, pelo menos, não a contento.
- Milagres (mas pessoais) – a misericórdia divina continua se manifestando, porém, não se entende mais o princípio de sua ação.
- Ministérios – há os que são ministros (servos), e os que nem tanto.
- Riqueza – Instituições estão cada vez mais ricas, e há os que usufruem da mesma.
- Ricos e Poderosos - muitos e cada vez mais se declaram conversos, mas não se converteram como Zaqueu.
- Irmãos e irmãs que amam a Cristo e a Igreja, mas que estão cada vez mais confusos sobre o que estão assistindo – e há, cada vez mais, um amor em crise.
 
E ecoa a voz do Cristo: “Contudo quando vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” (Lc 18.8). Talvez, ainda haja tempo de pedir perdão!