01/09/2002

Cuso de Jornalismo

Para regular o capitalismo subterrâneo

Esburacar esta surrada cidade é negócio vital para a Nova Economia

Por debaixo de pés e pneus, há um território disputado por empresas cujo negócio é passar fios, cabos e canos. Há até bem pouco tempo, esse território era livre e grátis. De tão abusado, também no subsolo já está faltando espaço.
 
Paulo Baccarin, assessor jurídico do departamento responsável pelos porões da cidade de São Paulo, revela que há resistência de empresas, como as telefônicas, em pagar pelo uso do subsolo. E aponta para a contradição de que entre as próprias concessionárias esta lógica de cobrança é natural, absorvida como regra dos negócios. “A própria Eletropaulo aluga espaço em seus postes para cordoalhas alheias.”
 
Procurador da Câmara Municipal, atuante na CPI dos Fiscais, Baccarin foi emprestado para a Secretaria de Infra-estrutura Urbana, a fim de ajudar a pôr ordem no subsolo da casa – 45 mil ruas oficiais e 5 mil ruas ainda não regularizadas em São Paulo.
 
O órgão que recebeu a ajuda do procurador é a Secretaria de Vias Públicas, criada em 1977, rebatizada pela gestão petista como Secretaria de Infra-estrutura Urbana (Siurb). Um de seus departamentos, o Convias (Departamento de Controle de Uso de Vias Públicas) foi idealizado para controlar as instalações que quatro empresas – de água, luz, gás e telefonia – realizavam por debaixo do asfalto paulistano. Como eram todas estatais monopolistas, em período de regime militar centralizador, deu-se que nem o prefeito, muito menos o diretor do Convias, tinham coragem e cacife para cobrar pelo uso do subsolo. Ficavam elas por elas. Mas o quadro institucional na década de 90 mudou. Salvo a Sabesp, que ainda é estatal, os agentes são privados. A Prefeitura acordou e decidiu cobrar, só que não está sendo nada fácil.
 
Se na década de 70 eram quatro as empresas de olho no valioso chão, hoje são quase quarenta as interessadas em perfurar logradouros e instalar cabos, fibras óticas, dutos e assemelhados. Entre elas, destacam-se as empresas de telecomunicações como a AT&T (responsável, por exemplo, pelas ligações de rede para transmissão de dados da Bolsa de Valores) e a MetroRed (que cuida de uma parcela da infra-estrutura de compensação de cheques).
 
Simplesmente instalar
Chegamos ao final da década de 90 sem cadastro do que estava instalado nas entranhas da cidade. As teles haviam se lançado a campo, premidas pelas metas de universalização das comunicações. Caso não honrassem seus compromissos, poderiam ser penalizadas com altas multas pecuniárias ou, muito pior, perder a concessão. “As empresas pouco se lixavam para a Prefeitura, não podiam depender da letargia da administração, e saíram rasgando o município à revelia”, avalia Baccarin.
 
Sem cadastro, além da impossibilidade de cobrar de particulares pela exploração de espaço público, perde-se a chance de racionalizar as obras. “Se você não sabe o que tem no subsolo, não consegue utilizar os chamados MND’s – Métodos Não-Destrutivos – porque as brocas automáticas podem estourar a infra-estrutura de outro prestador, até mesmo desligar a Bolsa de Valores de São Paulo ou o sistema brasileiro de pagamentos.”
 
Há uma terceira conseqüência dessa bagunça. Sem MND’s, as obras têm de ser tocadas no velho estilo da britadeira. Daí “o lixo que está o pavimento asfáltico”. Sem planejamento, a reposição do asfalto é feita na correria, porque o empreiteiro quer faturar o mais rápido possível.
 
Tanto desleixo no trato da coisa pública pode ser simbolizado pela sucata a que se reduziu o departamento no fim da gestão Pitta. “Havia um XT, daqueles de telinha verde, e uma impressora matricial Rima 180.” Além disso, 900 processos aguardando trâmite.
 
Ordem na casa
Hoje o Convias está aparelhado com 22 estações de trabalho – computador, impressora e scanner –, além de duas impressoras laser. Não entrou dinheiro da Prefeitura nessas aquisições. “Foram as empresas do setor que doaram, mesmo com as brigas jurídicas sérias entre nós”, explica o assessor. Para ele, as empresas perceberam a seriedade dos novos gestores e, mesmo resmungando pela obrigação de pagar pelo que era gratuito, reconhecem benefícios para seus negócios com uma máquina pública que funcione.
 
Além de criar as condições mínimas de trabalho, um decreto aumentou o preço pago pelas empresas pelo uso do subsolo e exigiu a entrega a cada quatro meses da programação de obras, para casar os cronogramas.
 
Todas entregaram os cadastros de suas instalações subterrâneas em julho do ano passado. Agora, o Convias está analisando as informações e emitindo TPU’s (Termos de Permissão de Uso). “Essa fase está tomando um ano de trabalho”, contabiliza Baccarin.
 
Feito o mais básico dever de casa, abriram-se perspectivas promissoras de parceria entre empresas da Nova Economia e Prefeitura. Uma das aplicações ambiciosas das fibras óticas que serpenteiam nossas avenidas será na 9 de Julho.
 
Num projeto-piloto, serão instalados sensores nos chassis dos ônibus que fazem linha pelo corredor, e terminais digitais nos pontos. Através de estimativas de fluxo do tráfego, qualquer usuário poderá consultar o terminal e saber quanto tempo vai demorar para seu ônibus chegar.