27/11/2012

Mundo

Ampliar acesso à educação superior garantindo qualidade é desafio para BRICS

Seminário realizado na Unicamp trouxe troca de experiências da China, Índia, Brasil e África do Sul

Darrel Ronald
Alunos da Universidade de Shenzen, China

Brasil, Índia, China e África do Sul, países que, juntamente com a Rússia, compõem o grupo BRICS de importantes economias emergentes, enfrentam o desafio de atender à crescente pressão de suas populações e de suas economias, cada vez mais integradas a um sistema internacional competitivo e inovador, por mais vagas em cursos superiores capazes de oferecer uma educação de qualidade.

Numa série de apresentações exibidas durante o seminário Ensino Superior e Desenvolvimento; A Experiência dos BRICS, realizado na Unicamp no início de novembro, representantes dos quatro países exibiram dados de seus sistemas de educação terciária e mostraram as perspectivas que veem para um crescimento com qualidade.

Tratando do caso brasileiro, Clarissa Baeta Neves, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresentou os números da expansão do setor no Brasil, na última década, onde o total de vagas disponíveis no ensino superior saltou de 1,2 milhão em 2000 para 3,2 milhões em 2011, sendo que o principal motor do crescimento foi a iniciativa privada, que no período praticamente triplicou a oferta, passando de 970 mil vagas para 2,7 milhões.

A pesquisadora apontou ainda que, ao mesmo tempo em que há vagas ociosas – a ocupação era de 52% em 2011 – há também uma forte demanda potencial reprimida, formada por jovens da faixa etária adequada ao ingresso no ensino superior que não conseguem terminar o ensino médio, ou que não atingem o aproveitamento necessário nessa etapa escolar para ter acesso às universidade: de mais de 3 milhões de estudantes que iniciam o ensino médio, apenas 2 milhões chegam ao último ano, e pouco mais de 1,6 milhão ingressam na educação de terceiro grau, ainda de acordo com dados de 2011.

O trabalho conclui que é urgente superar as deficiências do ensino primário e secundário no Brasil, tanto em termos de qualidade quanto de acesso, e que os modelos de financiamento da educação superior precisam ser revistos, tanto no setor privado – onde o estudante arca com todo o custo da operação – quanto no público, para “garantir uma inclusão social ampla e eficiente”.

China

A apresentação sobre a situação chinesa, feita por Yuzhuo Cai, da Universidade de Tampere, na Finlândia, e Fengqiao Yan, da Universidade de Pequim, concentrou-se primeiro no tamanho do sistema chinês: são mais de 30 milhões de estudantes, num sistema que conta com mais de 600 instituições privadas, num universo total de mais de 2.300 instituições e uma pressão crescente por mais vagas, em meio à forte urbanização, e às mudanças na estrutura econômica.

Esse aumento de demanda foi exemplificado pelo crescimento no número de matrículas no gaokao, o exame de acesso à educação superior: de 3,2 milhões de candidatos, em 1998, o total quase triplicou em 12 anos, chegando a 9,5 milhões em 2010.

Enquanto o setor privado cuidava de ampliar a oferta de vagas – atualmente são 674 instituições, respondendo por 20% do total de matrículas – , a preocupação com qualidade levou o governo chinês a criar, em 1995, o “Projeto 211”, que busca transformar as principais instituições do país em centros de pesquisa de alto nível, voltados para o desenvolvimento econômico e a formação de pós-graduados. Atualmente, cerca de 6% das universidades chinesas estão no programa, que deve o nome “211”, à meta de, no século 21, haver 100 universidades fundamentais com grande financiamento do Estado no país.

Em 1998, o governo lançou outro programa, o projeto 985, para fazer com que China desenvolva universidades de qualidade mundial.

Mesmo com a massificação por meio do ensino privado, muitos estudantes chineses, preocupados com a qualidade da educação, optam por completar os estudos no exterior. O número de chineses fazendo cursos universitários fora do país saltou de menos de 50 mil, no início da década, para quase 250 mil em 2009. O governo chinês, agora, se esforça para atrair acadêmicos renomados e instituições estrangeiras para o país.

Os autores preveem um aumento no número de cursos profissionalizantes e voltados para o mercado, mas diagnosticam uma resistência cultural ao fenômeno, já que a sociedade chinesa valoriza mais a educação de forte caráter acadêmico.

Índia

A situação indiana é, em parte, semelhante à chinesa, com aumento da demanda, uma enorme população, forte expansão do setor privado e a busca de ensino de qualidade fora do país. Mas o quadro, na Índia, tem especificidades próprias, como a grande diversidade da população.

Como lembrou Kishori Joshi, da Universidade Maharaja Krishnakumarsinhji, em sua apresentação, o país tem inúmeras línguas (há pelo menos 35 diferentes idiomas usados na imprensa, composta por mais de 3.500 jornais, e quase 150 línguas diferentes usadas em transmissões de rádio), e um sistema universitário composto por instituições ligadas ao governo central, aos governos estaduais e à iniciativa privada, e que podem ou não ter o status de instituição autônoma – ou “deemed”, literalmente “consideradas como universidades”, no jargão local.

As “deemed universities” são livres para estabelecer currículos e administrar seus sistemas de admissão de alunos. Já as universidades ligadas ao governo central são estabelecidas por atos do parlamento e as estaduais, pela legislação específica dos Estados. Além disso, o sistema indiano contempla a existência de unidades “afiliadas”, onde faculdades isoladas passam a ensinar e a pesquisar sob a supervisão de uma universidade, e a conferir títulos emitidos pela universidade.

Atualmente, a Índia conta com mais de 33 mil faculdades, e 634 universidades. Os números passaram por dois surtos de crescimento, um entre 1990 e 2001, quando os totais de faculdades e de universidades praticamente dobraram, e outro entre 2001 e 2011, quando os totais triplicaram. Fenômeno parecido ocorreu com o número de estudantes matriculados, que saltou de 4,9 milhões, no início da década de 90, para 8,4 milhões em 2000, chegando a 17 milhões em 2011.

Há uma forte concentração geográfica, com mais de 60% das instituições nas regiões norte e sul da Índia, e menos de 10% na região central.

De acordo com a apresentação, a sociedade indiana tem demandas por desenvolvimento econômico, ganho de status social e igualdade de oportunidades que estão moldando a expansão do setor. Urbanização também é um fator importante: em 2011, mais de 30% da população da Índia, ou quase 400 milhões de pessoas, vivia em cidades. No entanto, a taxa de desemprego cresce à medida que se sobe na escala educacional, chegando a mais de 10% entre os pós-graduados.

A expansão trouxe questões de qualidade: até 2011, apenas 161 universidades e 4371 faculdades – 25% e 13% das respectivas categorias – tinham sido credenciadas pelo NAAC, o Conselho Nacional de Acreditação e Credenciamento, órgão responsável pela avaliação de qualidade do ensino superior no país. Além disso, muitos governos estaduais estão cortando os investimentos em ensino superior.

Joshi chamou, ainda, atenção para as desigualdades no acesso ao ensino superior causados por questões de gênero, casta, nível social e etnia. “Disparidades nas regiões tribais são visíveis”, diz sua apresentação. Uma das respostas dos governos, central e locais, tem sido o estabelecimento de um forte sistema de cotas, que pode chegar a cobrir mais de 60% das vagas.

África do Sul

A experiência sul-africana, como descreveu a pesquisadora Kirti Menon, da Universidade de Witwatersrand, é marcada pela transição do apartheid para a democracia. Questões de raça, gênero e classe social marcam o debate sobre o acesso no país, que trata ainda da questão dos custos, cada vez mais elevados; do despreparo dos ingressantes; da alta evasão; e da falta de bons estudantes para as áreas científicas e tecnológicas.

A desigualdade, especificamente, é uma questão candente. A apresentação descreveu a África do Sul como uma “sociedade de duas nações”, onde o progresso rumo a uma maior igualdade parece estagnado.

A parcela da população de 20 a 24 anos matriculada no ensino superior vem aumentando no país, passando de 16% em 2004 a 18% em 2012, ou de cerca de 700 mil estudantes para 900 mil. A meta para 2013 seria matricular 20% dessa faixa etária, mas a previsão é de que a proporção se mantenha perto de 18%.

De acordo com a apresentação, um dos problemas fundamentais enfrentados pelo sistema sul-africano de ensino superior é o do financiamento, somado à necessidade de expansão.

Outro ponto levantado foi o da necessidade de melhorar o acesso e a qualidade à educação básica: em quatro das nove províncias sul-africanas, mais de 10% da população com mais de 20 anos nunca havia recebido educação formal, segundo dados de 2010.