21/02/2013

International Higher Education

Declínio da qualidade do ensino superior afeta as opções pós-secundárias: o caso do Peru

Juan F. Castro e Gustavo Yamada
Castro e Yamada lecionam no departamento de economia da Universidad del Pacifico, Lima, Peru. E-mails: Castro_JF@up.edu.pe e Yamada_GA@up.edu.pe
Poucos adolescentes dos países em desenvolvimento recebem orientação suficiente para tomar decisões cruciais em suas vidas durante a transição do ensino secundário para o pós-secundário e em seguida para o mercado de trabalho. Consequentemente, um número significativo de formandos se arrepende das decisões tomadas. A excessiva rigidez da maioria dos sistemas de ensino superior impede mudanças laterais entre diferentes programas ou do ensino técnico para o universitário. Além disso, no Peru, a informação limitada a respeito da gama de programas de ensino e seus resultados no mercado de trabalho, somada a um número cada vez maior de provedores de serviços de ensino de baixa qualidade, são fatores que contribuem para agravar o problema.
 
Uma pesquisa recente envolvendo a população peruana com idade para estar no mercado de trabalho revelou que apenas 35% dos jovens profissionais (com idade entre 22 e 30 anos) estavam satisfeitos com a escolha feita para o ensino pós-secundário. Isto implica que, se tivessem a oportunidade, quase dois terços dos jovens profissionais teriam escolhido outra carreira ou instituição, um diploma diferente (universitário ou técnico), ou teriam entrado no mercado de trabalho diretamente após a conclusão do ensino secundário.
 
Por que é tão grande o número de estudantes insatisfeitos? De acordo com os dados, uma proporção significativa (42%) daqueles que se formaram em programas da escola técnica teria optado pelo diploma universitário, e uma grande parcela dos formados em universidade se arrepende da instituição escolhida (na década passada o aumento foi de 11% para 23%).
 
O primeiro resultado é uma consequência de um problema estrutural dentro do ensino superior peruano: o sistema é altamente fragmentado. A falta de integração significa que enquanto os formados pelas universidades podem avançar para a pós-graduação, o ensino técnico é na prática um beco sem saída, e os jovens formados neste tipo de ensino que desejassem aprofundar-se nos estudos se veem obrigados a começar de novo o ensino pós-secundário desde o início. A situação é agravada pelo fato de as oportunidades profissionais e econômicas no mercado de trabalho apresentarem um viés que prejudica aqueles que se formaram no ensino técnico.
 
A insatisfação com a instituição escolhida reflete outro problema, comum em muitos países em desenvolvimento – a rápida e recente expansão do setor privado e as incertezas em relação à sua qualidade.
 
Matrículas versus qualidade
Nos últimos 15 anos o Peru vivenciou uma explosão na oferta de ensino superior privado. O número de universidades privadas aumentou rapidamente durante a década de oitenta (criou-se em média 1,7 universidade privada por ano), mas o crescimento atingiu seu auge histórico (3,3 novas universidades por ano) na década seguinte. Enquanto isso, as universidades públicas não foram capazes de responder ao aumento na demanda em decorrência de suas restrições orçamentárias. Como resultado, a parcela dos estudantes atualmente matriculados em universidades particulares corresponde agora a 60% da população total de estudantes, contra apenas 40% em 1996.
 
Tal tendência coincide com uma mudança importante nos incentivos para os provedores particulares do ensino superior. Em 1996, o governo peruano aprovou uma lei (Decreto Legislativo 882) para promover o investimento na educação, permitindo às instituições privadas que funcionassem sob as mesmas regras das empresas particulares. Tais incentivos, somados ao aumento na demanda que derivou de uma renda familiar maior (o PIB per capita aumentou 53% entre 2000 e 2010), criaram condições atraentes para os mantenedores particulares. As universidades privadas, criadas entre 1996 e 2010, acomodam atualmente 134.370 estudantes – concentrando 17% do total da população de estudantes universitários nestas novas instituições.
 
A maioria das novas instituições privadas opera com fins lucrativos, recebendo poderosos incentivos para maximizar o número de matrículas, já que cada estudante adicional representa uma fonte de lucro total depois de o custo operacional fixo ter sido coberto. As matrículas tendem a se concentrar nos programas “populares”. Levando-se em consideração a carência de orientação para a escolha da carreira, os adolescentes com frequência optam por tais programas populares, com pouco conhecimento das possibilidades futuras oferecidas pelo mercado de trabalho. O risco está na possibilidade de os mantenedores das instituições com fins lucrativos acomodarem a demanda infinitamente, sem se preocupar minimamente com os resultados no mercado de trabalho na ausência da coerção da supervisão externa.
 
Se a qualidade do ensino superior é avaliada em parte pela aquisição do conhecimento necessário para uma integração bem-sucedida no mercado de trabalho por parte daqueles que se formam no sistema universitário, não há motivo pelo qual os provedores particulares deveriam se mostrar mais ou menos eficazes do que os provedores públicos. Mas o Peru carece de mecanismos para avaliar as necessidades futuras do mercado de trabalho, que podem informar as decisões envolvendo a criação de novas instituições do ensino superior e de programas que concedem diplomas.
 
Assim, a rápida expansão documentada acima levou a três resultados que conspiram contra a qualidade do ensino universitário. Um declínio na seletividade: a proporção média de inscrições aceitas (número de estudantes aceitos dividido pelo número total de inscritos) aumentou de 30% em 1996 para 45% em 2009. Num país que apresenta precariedades no ensino primário e secundário (o Peru ficou com as posições 63 e 64 numa classificação de 65 países elaborada pelo Programa para a Avaliação de Estudantes Internacionais), isto implica num declínio no nível de capacidades básicas do estudante médio.
 
Além disso, houve uma mudança na composição do corpo docente, favorecendo um maior número de docentes contratados em regime de meio período e um menor número de professores trabalhando em tempo integral. O porcentual de professores em regime de tempo integral caiu de 47% em 1996 para 35% em 2010. Atualmente, os professores contratados em tempo integral nas universidades públicas correspondem a 68% do total de seu corpo docente e, nas universidades privadas, eles representam apenas 17% deste total. Esta tendência implica também num declínio nas atividades de pesquisa, afetando o conteúdo analítico de cursos e palestras.
 
A oferta de diplomas não responde às necessidades do mercado de trabalho. Em outras palavras, as novas instituições são mais inclinadas a oferecer programas de ensino populares que não incorram em grandes investimentos na infraestrutura e no equipamento. A administração de empresas é atualmente a escolha de carreira mais popular entre aqueles que se formam no ensino médio (respondendo por mais de 15% do total de matrículas nas universidades). Não surpreende que 70% das novas universidades ofereçam programas nesta área, apesar do fato de quase um terço dos jovens formados nesta profissão estarem desempregados.
 
Mais informação e decisões melhores
Informações abrangentes a respeito das oportunidades do mercado de trabalho para aqueles que se formam nos diferentes programas do ensino pós-secundário são um elemento crucial para medir a eficácia do ensino superior em qualquer sociedade, mas isto é ainda mais verdadeiro no caso dos países em desenvolvimento. O Peru carece deste tipo de dado já há muito tempo. Talvez esta informação não fosse tão necessária quando o acesso ao ensino superior no Peru era limitado a uma elite rica e mais bem informada.
 
A massificação do ensino superior e a diversificação da oferta impõem uma necessidade urgente para os dados sobre o emprego. Infelizmente, será difícil obter tais informações. Poucas instituições peruanas do ensino superior acompanham a trajetória daqueles que se formam nelas após o seu ingresso no mercado de trabalho. Uma alternativa seria confiar nos dados de renda do sistema de tributação, mas isso produziria um quadro incompleto e distorcido, levando-se em consideração o alto grau de informalidade do mercado de trabalho peruano (dois terços do total de empregos). Um levantamento dos lares deveria ser feito para capturar os diferenciais de empregabilidade e renda que resultam de programas de ensino e instituições específicas. Isto nos daria um quadro mais fidedigno à realidade dos países em desenvolvimento com alto grau de informalidade no mercado de trabalho e pouca fiscalização das instituições do ensino superior. Se tornada pública, tal informação ajudaria os adolescentes a optar por escolhas melhores, ao mesmo tempo criando incentivos para que as instituições do ensino superior ofereçam um ensino que prometa resultados educacionais mais promissores. Conforme os mecanismos de controle de qualidade se consolidam nos países em desenvolvimento, este tipo de banco de dados pode ser complementado por informações obtidas diretamente das instituições do ensino superior a respeito de seus programas, seu corpo docente, sua infraestrutura e os dados a respeito da empregabilidade dos jovens que se formam em seus programas.
 
Nos países em desenvolvimento, o alinhamento do ensino superior com o mercado de trabalho merece muita atenção. Um processo melhorado de compilação e divulgação de dados relativos a esta informação é de importância fundamental para melhorar a eficácia do ensino superior.