21/02/2013

International Higher Education

Educação superior no Camboja – diplomas subprime?

David Ford
Ford é palestrante e conselheiro do Departamento de Química da Universidade Real de Phnom Penh, Camboja. E-mail: ford.david@rupp.edu.kh
A economia cambojana alcançou uma saudável taxa média de crescimento de aproximadamente 7% no decorrer da década passada. A educação superior aumentou de tamanho à razão de mais de dez vezes no mesmo período, incluindo agora 91 instituições (68 universidades e 23 institutos ou escolas) das quais 59% são privadas, atendendo a quase 200 mil estudantes. O acesso foi muito ampliado, com a abertura de muitas novas instituições e de campi afiliados de instituições existentes, estabelecidos nos centros provinciais.
 
Desafios
Apesar da situação macroeconômica relativamente positiva e de ter sido indicado como ministério prioritário, o Ministério da Educação, da Juventude e do Esporte é o único ramo do governo que teve seu orçamento constantemente reduzido nos últimos cinco anos. A proporção do orçamento nacional dedicada à educação superior (menos de 1%) e sua taxa de participação (cerca de 5%) são inferiores às dos países vizinhos. Consequentemente, o setor do ensino superior está enfrentando sérios desafios. Nas instituições mantidas pelo governo, os professores ainda recebem um salário que corresponde a apenas uma fração do necessário para a sobrevivência (a base é de apenas cerca de US$ 120 mensais), o que os obriga a buscar emprego no setor privado. Tanto nas instituições públicas quanto nas particulares, a proporção de professores com diploma de doutorado é inferior a 10% do total. O financiamento público para a pesquisa é praticamente inexistente. Consequentemente, pouquíssimas universidades desenvolvem atividades de pesquisa, que são iniciadas e financiadas por doadores. As bolsas de estudo oferecidas pelo governo para o ensino no exterior são virtualmente inexistentes. Até as chamadas bolsas de estudo locais, para a educação superior no próprio país, não passam de vagas isentas de anuidade nas instituições do governo, sem nenhum tipo de repasse de subsistência para o estudante. A proporção entre as vagas subsidiadas e o número de alunos que concluem o ensino médio vem se reduzindo constantemente.
 
Relatórios recentes elaborados pelos principais doadores (Banco Mundial, Banco Asiático de Desenvolvimento, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, e outros) descreveram um quadro de baixa eficiência quantitativa e qualitativa, tanto externa quanto interna. Apesar da pequena taxa de participação, ainda é muito grande a oferta de formandos pouco qualificados em certas áreas, e é pequena a oferta de formandos para as áreas de alta demanda. Cerca de 60% dos estudantes se formam em administração, ciências sociais e direito, e menos de 25% dos estudantes se formam em agricultura, pedagogia, saúde, engenharia e ciências exatas. Quais serão as consequências sociais de um grande número de diplomados desempregados ou subempregados, e como poderá o Camboja concorrer com os países da região, se a visão da Associação de Países do Sudeste Asiático, prevendo uma comunidade economicamente integrada até 2015, se tornar realidade?
 
Causas subjacentes da fraqueza sistêmica
Mas esta disparidade em relação às necessidades sociais não é nova. Quase 15 anos já se passaram desde a abertura da primeira universidade privada no país, dando início a um período de rápida expansão e comercialização do ensino superior no Camboja, processo que recebeu pouca supervisão e regulação. O número de estudantes aumentou vertiginosamente, passando de aproximadamente 10 mil, em 1997, para quase 200 mil atualmente. Entretanto, poucas melhorias em relevância foram obtidas nos 10 anos transcorridos desde a criação dos instrumentos de regulação, da lei de registro para as instituições e da Comissão Cambojana de Credenciamento, que tinham como objetivo lidar com este crescimento. Talvez se esperasse que as forças do mercado levassem automaticamente a uma melhoria na qualidade, mas, até o momento, a concorrência resultou principalmente numa corrida ao fundo do poço, com as instituições se empenhando em reduzir as anuidades, oferecendo descontos e “Wi-Fi gratuito”.
 
A falta de regulação levou a um maior número de instituições do educação superior, mas muitas das chamadas universidades registradas obviamente carecem dos requisitos técnicos necessários para fazer jus ao nome de universidade. Poucas delas justificariam o emprego deste termo; e, dessas, algumas estão conquistando gradualmente a credibilidade associada às instituições de qualidade. Independentemente disso, outras delas não têm membros do corpo docente com títulos reconhecidos de pós-graduação, mas, mesmo assim, receberam permissão para conceder diplomas até o nível do doutorado. Muitas instituições anunciam uma ampla gama de diplomas, mas carecem de professores qualificados para lecionar em tais cursos, apesar das regulações que definem os requisitos para o estabelecimento de instituições do educação superior estarem em vigor desde 2002. Os motivos para tal situação estão provavelmente relacionados à natureza altamente politizada do setor, no qual interesses especiais politicamente poderosos sobrepujam a implementação racional da regulação.
 
Consequências da regulação ineficaz
Ainda assim, enquanto as causas são debatidas, uma situação análoga à crise econômica vem sendo criada. Uma “bolha” está se formando, composta por cidadãos formados nas universidades e portadores de diplomas sem nenhum valor. A intensa concorrência levou à criação de produtos educacionais arriscados e exóticos, para os quais a capacidade de pagar é mais importante do que a capacidade acadêmica. Como resultado, muitas instituições oferecem diplomas “subprime”: diplomas de pouco valor real, em decorrência de uma série de fatores – entre eles, a seleção de estudantes de baixa capacidade, aulas ministradas por um corpo docente sem qualificação, avaliação mínima e corrupção. Alguns dos produtos educacionais exóticos incluem diplomas complementares para aqueles que não foram aprovados nos exames finais do ensino médio, e cursos de ciências sem nenhum componente laboratorial. Os diplomas obtidos são, assim, símbolos de adequação ao sistema e de pertencimento a uma rede de clientela – e não credenciais que comprovam a aquisição de conhecimento e capacitação; seria mais adequado chamá-los de recibos.
 
O que vai ocorrer quando cidadãos portadores de diplomas “subprime” usarem-nos para procurar emprego, e fracassarem? Muitos estudantes investiram somas expressivas em diplomas sem valor e, com razão, podem ficar insatisfeitos quando se virem impossibilitados de recuperar este investimento por meio de bons empregos. Algumas universidades já entraram em colapso, e já há sinais de alto desemprego e subemprego entre aqueles que se formaram nas universidades. Resta saber quando e como seu descontentamento ficará evidente, mas não faltam exemplos em outros países, nos quais a insatisfação dos estudantes levou à instabilidade social. Aparentemente, as autoridades se preocupam pouco com isto, talvez porque o governo não ofereça benefícios aos desempregados, e também por causa da existência de uma lei de serviço militar obrigatório, criada em 2006 e jamais aplicada, mas que poderia ser usada numa emergência. Outro aspecto da analogia com a crise financeira pode ser visto naqueles que sofrem com as consequências finais – raramente os donos das instituições, ou os responsáveis por supervisioná-las.
 
Conclusão
Existe uma carência de informação pública independente a respeito das instituições do ensino superior, algo que poderia ajudar os estudantes interessados a tomar decisões informadas e, assim, pressionar por melhorias na qualidade. Muitas instituições se recusam a dar aos candidatos informações sobre os membros de seu corpo docente e poucos estudantes questionam tal prática – o que é ainda mais surpreendente. Consequentemente, na ausência de informação pública confiável a respeito das instituições, e com a ignorância generalizada a respeito das necessidades do mercado e do significado de educação de qualidade, muitos estudantes dependem de rumores e boatos para escolher cursos que, em geral, se mostram inapropriados e de baixa qualidade.
 
Assim, apesar do fato de a educação ter sido declarada uma prioridade entre os ministérios do governo cambojano, está claro que a educação superior não é tratada como prioridade; e o motivo pode estar relacionado a outra fraqueza sistêmica citada nos relatórios recentes e mencionada anteriormente – metodologias de ensino antiquadas, que não desafiam os estudantes a pensar e analisar. Talvez o governo – cada vez mais autocrático e incomodado pela voz da oposição – relute em incentivar um sistema que promova o pensamento crítico, demonstrando um interesse especial na manutenção do status quo.
 
A luz no fim do túnel emana do crescente número de jovens que voltam do exterior, formados em instituições estrangeiras (graças a bolsas financiadas por instituições internacionais), depois de conhecerem sistemas mais funcionais e diferentes maneiras de aprendizado. Estes jovens têm uma menor probabilidade de aceitar modelos antigos de gestão, sendo mais provável que usem novas metodologias de ensino. Alguns deles são empregados pela Comissão Cambojana de Credenciamento, que conseguiu avaliar os cursos recém-fundados (em seu primeiro ano de funcionamento) e está prestes a dar início à avaliação das instituições. Conforme estes acadêmicos jovens e altamente qualificados constroem suas carreiras e substituem a velha guarda, fadada à aposentadoria, espera-se que o ensino superior no Camboja possa melhorar gradualmente.