21/02/2013

International Higher Education

Ensino superior para o desenvolvimento em Ruanda

Rebecca Schendel, Jolly Mazimhaka e Chika Ezeanya
Rebecca é doutoranda do Instituto de Educação em Londres, Universidade de Londres. E-mail: rebecca.schendel@gmail.com. Jolly é diretora de controle de qualidade do Instituto de Ciência e Tecnologia de Kigali, Ruanda. E-mail: jolly.mazimhaka@gmail.com. Chika é diretora de pesquisa da Escola de Finanças e Ciências Bancárias de Kigali, Ruanda. E-mail: cezeanya@sfb.ac.rw
Talvez mais do que qualquer outro governo africano, o governo de Ruanda se concentrou no ensino superior como componente central de sua estratégia de desenvolvimento nacional. Diante da pressão dos doadores que defendiam o ensino primário como prioridade, Ruanda defendeu a importância do ensino superior como catalisador do desenvolvimento. Sob muitos aspectos Ruanda é um caso único, dado seu tamanho reduzido, sua localização geográfica distante de uma saída para o mar e sua trágica história recente. Entretanto, a experiência da Ruanda oferece valiosas perspectivas para o imenso potencial – e os grandes desafios – dos países que buscam aumentar a capacidade de seu ensino superior como forma de estimular o desenvolvimento econômico.
 
Em 2000, o governo de Ruanda divulgou as bases de sua estratégia de desenvolvimento para o país, conhecida como Vision 2020. Entre as prioridades do plano estava a necessidade de desenvolver a capacidade humana de Ruanda para transformar o país numa economia baseada no conhecimento, capaz de concorrer no palco econômico internacional. A estratégia enfatizava a necessidade de uma força de trabalho qualificada – treinada em disciplinas como a tecnologia da informação, engenharia e administração. Desde o fim dos anos noventa, Ruanda gastou com o ensino superior uma proporção do seu orçamento para o ensino maior do que quase todos os demais países da África Subsaariana. Este apoio financeiro sem precedentes para o ensino superior levou a uma expansão dramática do setor, tanto em termos de estudantes matriculados quanto no número de instituições. Com um crescimento anual de aproximadamente 13%, o ensino superior é um dos setores de expansão mais rápida no país.
 
Este contexto dinâmico traz uma oportunidade única para o setor do ensino superior em Ruanda, que pode demonstrar o papel crucial desempenhado pelas universidades nos esforços de desenvolvimento nacional. Entretanto, a visão do governo só pode ser alcançada se as universidades de Ruanda puderem oferecer aos seus estudantes uma experiência de ensino de qualidade suficiente. Este artigo vai delinear alguns dos recentes sucessos do setor do ensino superior de Ruanda e destacar alguns desafios significativos para a qualidade, que continuam a prejudicar as universidades públicas do país. Embora exista em Ruanda um significativo mercado de ensino superior privado, as universidades públicas recebem a maior parte do financiamento do governo.
 
Breve panorama do ensino superior em Ruanda
O sistema de ensino superior em Ruanda é composto atualmente por 29 instituições (17 públicas e 12 privadas). O Conselho do Ensino Superior, agência independente do governo, foi criado em 2007 dentro do Ministério da Educação. Desde a formação do Conselho do Ensino Superior, o setor se transformou dramaticamente com a criação de novas instituições e novas políticas do governo que alteraram as práticas de admissão nas universidades, a estrutura do calendário acadêmico e os programas de financiamento dos estudantes.
 
Sucessos significativos
Nos últimos dez anos, o ensino superior alcançou em Ruanda uma série de sucessos impressionantes. O principal destes é o rápido crescimento apresentado pelo setor. Em 2011, 73.674 estudantes estavam matriculados nas universidades do país. Embora este número corresponda a apenas 2% da população do país, a proporção de matriculados aumentou exponencialmente nos últimos anos. Em média, o número de estudantes matriculados aumentou entre 20% e 25% ao ano desde 1995.
 
Ao mesmo tempo, as universidades de Ruanda fizeram uma série de melhorias nos currículos oferecidos e na sua infraestrutura. O Conselho do Ensino Superior também formalizou os mecanismos de proteção para defender os estudantes ruandeses de instituições possivelmente fraudulentas ao estabelecer políticas nacionais de credenciamento e auditoria.
 
Desafios significativos
Apesar dos impressionantes avanços do setor, as universidades de Ruanda continuam a enfrentar sérios obstáculos, muitos deles trazendo um impacto significativo para a qualidade do ensino universitário no país.
 
Embora as universidades públicas recebam um volume considerável de financiamento do governo em comparação àquilo que é oferecido nos outros países da região, o financiamento adequado ainda é uma questão preocupante para estas instituições, especialmente após a decisão tomada em 2010 prevendo uma redução de 25% no financiamento do Estado aos orçamentos das universidades, com o objetivo de destinar mais recursos ao treinamento vocacional. Como resultado dos cortes, espera-se agora que as universidades gerem renda – com o intuito de financiar as próprias atividades. A maioria delas optou por fazê-lo por meio de anuidades mais altas, da admissão de um maior número de estudantes privados (que pagam taxas mais altas) ou do estabelecimento de acordos de consultoria.
 
As instituições enfrentam também uma escassez crítica de professores dedicados. O número cada vez maior de universidades privadas aumentou a demanda por profissionais do ensino. Como a oferta de funcionários acadêmicos não aumentou no mesmo ritmo, esta expansão resultou numa tendência crescente entre esses funcionários de manter múltiplas ocupações de meio período em diferentes instituições. Além do ensino em meio período, alguns membros da equipe acadêmica também oferecem consultoria a organizações estrangeiras – para complementar seus salários insuficientes. A óbvia dificuldade enfrentada por tais funcionários na conciliação de tantos compromissos afeta inevitavelmente a qualidade do ensino nas universidades públicas, ao mesmo tempo reduzindo o potencial de ampliação na produção de pesquisa e nos programas de graduação.
 
Além desses desafios, as universidades tiveram de reagir a uma dramática mudança no idioma nacional de instrução usado em Ruanda. Como resultado do seu legado colonial, as instituições ruandesas de ensino usaram o francês desde a época da independência até meados dos anos noventa. Em 1996, um sistema de ensino bilíngue foi introduzido, sob o qual as universidades eram obrigadas a oferecer instrução em francês e inglês. Em 2008, o governo de Ruanda anunciou que a partir de 2010 o inglês seria o único idioma de instrução no país, em todos os níveis do ensino. Embora a mudança no idioma de instrução receba o apoio de muitos, em decorrência dos potenciais benefícios para as perspectivas de emprego para os formandos, a decisão teve como resultado enormes consequências para os estudantes atualmente matriculados nas universidades. Como a maioria dos atuais estudantes universitários usou o francês durante o ensino fundamental e médio, muitos enfrentam dificuldades para acompanhar aulas e textos em inglês, o que leva à preocupação com sua capacidade de compreender e reter a informação passada.
 
Além disso, apesar de 15 anos de apoio ao ensino superior em Ruanda, os estudantes parecem estar se formando sem ter muitas das habilidades exigidas pelo mercado de trabalho. Um recente Estudo Nacional de Habilidades publicado pelo Conselho do Ensino Superior indica que os estudantes formados carecem de competências fundamentais – entre elas habilidades de comunicação, habilidades técnicas e capacidade de solucionar problemas. Por mais que o crescente acesso dos estudantes ao ensino seja um desdobramento positivo, poderíamos dizer que o ensino universitário é de valor questionável, a não ser que seu resultado seja o desenvolvimento de capacidades que os formandos precisam empregar ao entrarem na força de trabalho.
 
Caminho para o futuro
O governo está trabalhando no sentido de responder a uma série dos desafios infraestruturais e financeiros enfrentados pelas universidades ao melhorar a eficiência, investir nas instalações de pesquisa e nas tecnologias de informação e comunicação. Entretanto, muitas dessas mudanças não podem melhorar a qualidade acadêmica das universidades públicas de Ruanda. Em vez disso, é necessário dedicar mais atenção àquilo que está funcionando ou não em termos do aprendizado dos estudantes – principalmente no que concerne à situação cultural, social e econômica do país, bastante única – para se chegar a uma revitalização do setor.
 
Muito se investiu e muito se espera das universidades ruandesas, com razão. A necessidade urgente e crítica do momento atual é fazer com que as universidades de Ruanda busquem formas de melhorar significativamente a qualidade da experiência acadêmica oferecida aos estudantes para assim garantir a formação de uma força de trabalho competitiva, inovadora e criativa para o desenvolvimento futuro do país no âmbito global.