21/02/2013

International Higher Education

Oeste dos Bálcãs: análise de uma área problemática para o ensino superior

Paul Temple
Temple é professor associado de administração do ensino superior no Instituto de Educação da Universidade de Londres e codiretor de seu Centro para Estudos do Ensino Superior. E-mail: p.temple@ioe.ac.uk
A edição número 68 da International Higher Education (verão de 2012) incluiu artigos sobre o ensino superior de dois países da ex-Iugoslávia – o de Philip G. Altbach sobre a Eslovênia e o de Stamenka Uvalic-Trumbic sobre a Sérvia – e uma análise dos desenvolvimentos num outro país balcânico – a Romênia, por Paul Serban Agachi. O quadro que emerge destas análises é o de sistemas de ensino superior que claramente apresentam força, lutando para superar legados históricos disfuncionais, com suas origens antes e depois do período formalmente comunista, mas sem dúvida profundamente condicionados por esta época.
 
Pode ser interessante comparar as situações descritas nestes países com aquela encontrada nos países da fragmentada região conhecida hoje como Oeste dos Bálcãs – Albânia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia e Montenegro, assim como a Sérvia. A Albânia é um caso especial, jamais fazendo parte da Iugoslávia e sofrendo sob a ditadura de Enver Hoxha de 1945 a 1985 – um regime que poderia ser descrito como lunático. Todos esses países ainda lutam para superar a situação criada pela violenta dissolução da Iugoslávia entre 1991 e 1995. Todos tentam construir economias com base nas fronteiras nacionais que definem Estados pequenos, com poucos recursos naturais e comunicação precária. Vários enfrentam divisões étnicas internas e situações pós-conflito ainda não solucionadas, exacerbando outras dificuldades. Estes países buscam a participação na União Europeia, algo que, no entanto, parece ser uma perspectiva distante levando-se em consideração problemas como estruturas políticas disfuncionais, procedimentos legais pouco confiáveis, economias enfraquecidas e corrupção endêmica. Portanto, este grupo de pequenos países representa o mais intratável desafio de reconstrução e desenvolvimento encontrado na Europa de hoje.
 
Pequenos países, grandes problemas
Como seria de se esperar, os sistemas de ensino superior destes países refletem tais dificuldades mais gerais. Sua carência crônica de recursos, por mais urgente que seja, deve provavelmente ser mais fácil de remediar do que suas estruturas fragmentadas, sua rigidez organizacional, seu isolamento intelectual e sua corrupção endêmica; e também aquilo que, ao falar da Romênia, Serban Agachi chama de “valores falsos”, “falta de iniciativa” e “desobediência oculta”, heranças do período comunista. As questões identificadas por Altbach como prioridades na transformação do ensino superior da Eslovênia – principalmente a falta de uma liderança interna forte, o financiamento sustentável, as missões diferenciadas e a seletividade, bem como a internacionalização – se aplicam com força ainda maior em toda a região do Oeste dos Bálcãs.
 
Além disso, certas características dos sistemas de ensino superior no Oeste dos Bálcãs chamam a atenção. Talvez a mais óbvia seja o tamanho diminuto desses sistemas, algo que representa um problema. Montenegro, com população de 600 mil, tem apenas uma universidade pública; a Macedônia, com dois milhões de habitantes, conta com duas universidades públicas de relativa importância e uma universidade particular sem fins lucrativos já bem estabelecida. É difícil imaginar como um ensino superior moderno e viável pode ser possível nessas situações, mesmo que haja uma gestão eficiente nos níveis ministerial e institucional. A dificuldade não está no número nem no tamanho das instituições, já que algumas das universidades são na verdade grandes demais. Como indica Altbach, sistemas pequenos carentes de tradições internacionais preexistentes tendem ao isolamento.
 
Como se tais países já não fossem pequenos o bastante, tensões étnicas criam subdivisões internas, na Macedônia e, especialmente, na Bósnia-Herzegovina, país de 4,5 milhões de habitantes onde há 14 ministérios da educação, embora nem todos lidem com o ensino superior. A divisão interna entre a federação dominada por bósnios e croatas e a Republika Srpska, dominada pelos sérvios, impede qualquer plano racional de reestruturação; e, mesmo dentro da federação, tensões étnicas levaram à criação de duas universidades, uma croata e outra bósnia (claramente inviável), na pequena cidade de Mostar. Neste país as universidades são usadas como símbolos que identificam um conjunto de objetivos políticos. O ensino superior é usado para demonstrar o poder da área e recompensar os colaboradores dos políticos locais – para ajudar na implantação de programas divisivos de políticas identitárias.
 
Universidades fragmentadas em sociedades fragmentadas
A fragmentação é outra característica da organização universitária interna da região, que emana da tradição iugoslava de professorados e sistemas catedráticos fortes no ambiente acadêmico. A expansão se deu por meio da criação de novas cátedras, levando a estruturas vastas e difíceis de administrar; a reestruturação institucional foi rara. Apesar das tentativas atuais observadas em certos lugares que tentam integrar os corpos docentes para a consolidação de universidades unitárias mais fortes, este conflito interno persiste – tornando as mudanças institucionais difíceis de realizar por causa das múltiplas e conflitantes fontes de autoridade. Raramente busca-se a missão formal de diferenciação dentro de uma instituição. Por mais que não seja historicamente justificável, é difícil evitar enxergar nestas divisões um reflexo da fragmentação observada nos níveis nacional e regional.
 
Em seu artigo, Uvalic-Trumbic identifica a corrupção acadêmica como um problema fundamental nas universidades sérvias. Esse continua sendo um problema grave em toda a região e, obviamente, prejudica as tentativas de convencer as universidades do Ocidente a confiar nas declarações feitas a respeito dos critérios acadêmicos balcânicos. O uso ainda generalizado dos exames orais individuais é um fator que facilita a corrupção acadêmica, mas uma simples mudança de procedimento (como na crescente implantação de exames escritos vista na Sérvia ou os novos procedimentos de controle de qualidade) dificilmente será capaz de erradicar um problema de raízes tão profundas (Descrevo na International Higher Education n. 42, publicada em 2006, uma tentativa deste tipo feita na Geórgia).
 
Uvalic-Trumbic também destaca que a anunciada adoção das reformas de Bolonha na Sérvia foi provavelmente “apenas cosmética”. Chegamos a essa mesma conclusão ao analisar a situação da região, na qual o processo de Bolonha teve na prática um impacto mínimo. Em vários casos, por exemplo, os diplomas 3+1 ou 3+2 (ou seja, nos termos de Bolonha, um diploma de primeiro ciclo somado a um diploma de mestrado) eram oferecidos para manter o padrão tradicional do primeiro diploma, de quatro ou cinco anos, apoiado pela hierarquia professoral, mas perdendo com isto os ganhos de eficiência que as estruturas de Bolonha deveriam trazer. Esse parece ser outro exemplo da natureza voltada para o próprio interior do sistema de ensino superior, subvertendo a aderência formal à modernização e aos padrões e critérios europeus. É tentador concluir que, sublinhando o comentário de Serban Agachi a respeito da “desobediência oculta”, a grande lacuna entre política e prática seja uma herança do período comunista, quando as declarações formais de princípios ideológicos eram usadas para mascarar as práticas reais.
 
Conclusão
Este artigo se baseia num trabalho feito em nome da Open Society Foundation. Uvalic-Trumbic propõe que um caminho para o avanço das universidades sérvias seria “desenvolver estudos conjuntos em nível de doutoramento com outros países da região. A criação de redes disciplinares regionais... pode ser um mecanismo para a redução do número de universidades, aumentando sua qualidade e reforçando a relevância de tais programas”. O trabalho que fizemos para a Open Society Foundation nos conduziu a conclusões parecidas, indicando que o melhor seria apoiar colaborações de pesquisa em pequena escala entre grupos de universidades da região e um ou mais parceiros internacionais. Indicamos que o tema específico da pesquisa seria menos importante do que o fato de este ser um interesse comum dos parceiros regionais, havendo alguma capacidade básica que possa ser aprimorada por meio deste trabalho. Esta abordagem incentivaria a colaboração entre corpos docente, entre instituições, entre os países da região e outros participantes internacionais – amenizando até certo ponto os problemas da fragmentação. Isto poderia proporcionar um contexto para a tão necessária transferência de expertise, do conhecimento específico de cada área, dos métodos pedagógicos e da metodologia de pesquisa.
 
Seria extremamente ingênuo pensar que reformas algo limitadas nos processos universitários poderiam de alguma maneira superar os muitos problemas das sociedades extremamente divididas da região. Independentemente disso, é possível que haja benefícios mais amplos por meio da demonstração de que atividades colaborativas dentro da região podem trazer resultados positivos. Em outras palavras, é mais provável que as mudanças partam das universidades e contaminem as estruturas superiores do que esperar o contrário: que elas derivem de estruturas políticas disfuncionais.
 
Nota do autor: Desejo registrar a contribuição de meus colegas de pesquisa – Jane Allemano, John Farrant, Ourania Filipakou, Natasha Kersh e Holly Smith.