07/11/2012

Professor Especialista Visitante

Programa da Unicamp incorpora conhecimento profissional ao currículo de graduação

Marcelo Knobel
Pró-reitor de graduação da Unicamp e professor titular do Departamento de Física da Matéria Condensada do Instituto de Física Gleb Wataghin

Gabriela Celani
Arquiteta e mestre pela FAU-USP, Ph.D. pelo MIT, livre-docente pela Unicamp e pós-doutora pela Universidade Técnica de Lisboa. É professora e pesquisadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unicamp e assessora do pró-reitor de graduação

Lício Velloso
Professor titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (FCM). Foi coordenador de pós-graduação em Clínica Médica da FCM e assessor do pró-reitor de graduação. Coordena atualmente a pós da FCM

José Vicente Hallak d’Angelo
Engenheiro químico pela UFMG, mestre e doutor em Engenharia Química e livre-docente pela Unicamp. Professor e pesquisador na Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, onde já atuou como coordenador de graduação. Foi assessor do pró-reitor de graduação

Néri de Barros Almeida
Graduada em História e doutora em História Social pela USP e livre-docente pela Unicamp. Professora do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH), especializada em história político-cultural
Antoninho Perri – Ascom – Unicamp
Estudantes da Unicamp no Ciclo Básico
Na Unicamp, 94% dos professores atuam em período integral e 98% têm título de doutor: estão portanto mais disponíveis para seus alunos e podem se dedicar à pesquisa Ao longo das últimas décadas o ensino superior tornou-se uma atividade que exige dedicação integral, mesmo para as carreiras de cunho mais prático, como medicina, arquitetura e engenharia. Com o objetivo de atender às exigências governamentais e às necessidades das instituições, exige-se cada vez mais dos professores a dedicação exclusiva ao ensino e à pesquisa. Na Unicamp, por exemplo, 94% dos professores atuam em período integral e 98% têm título de doutor. Isso permite que estejam mais disponíveis para seus alunos e que se dediquem à pesquisa, ficando a par dos mais recentes desenvolvimentos em suas áreas e tendo acesso a congressos e a bibliografia atualizada. No entanto, eles tendem a se tornar superespecializados, e muitas vezes não têm a oportunidade de desenvolver as habilidades profissionais que precisam ensinar a seus alunos, o que pode resultar em insatisfação de ambas as partes.
 
Algumas universidades têm resolvido essa questão contratando uma pequena porcentagem de professores em tempo parcial que mantêm escritórios ou consultórios onde exercem sua atividade profissional. Contudo, os melhores profissionais atuantes no mercado muitas vezes não possuem títulos acadêmicos ou não têm tempo para se dedicar ao ensino com regularidade.
 
Ao mesmo tempo, os professores tendem a se tornar superespecializados, e muitas vezes não têm a oportunidade de desenvolver habilidades profissionais que precisam ensinar a seus alunos Em 2010 a pró-reitoria de graduação da Unicamp criou um programa que tem como objetivo trazer para a Universidade a experiência de profissionais altamente capacitados (Resolução GR-038/2010, de 20/08/2010). Esses professores visitantes são indicados pelas comissões de graduação dos diferentes cursos, sendo convidados a participar da vida acadêmica durante um semestre, contribuindo para a formação dos alunos com base em sua experiência pessoal e profissional, consolidada no mundo corporativo ou de forma autônoma. O programa não beneficia apenas os alunos, mas também os professores que os acompanham e os alunos de pós-graduação que participam das atividades por meio do Programa Estágio Docente (PED).
 
São apresentados a seguir argumentos que justificam e subsidiam a criação do programa. Em seguida, são apresentados alguns exemplos de universidades que mantêm programas semelhantes. Finalmente, é apresentado um exemplo da implementação do programa no curso de História e são colocadas algumas considerações finais.
 
Algumas universidades têm resolvido isso contratando uma pequena porcentagem de professores em tempo parcial que mantêm escritórios ou consultórios onde exercem sua atividade profissional Contextualização
Segundo Thomas Khun[1], um dos principais filósofos da ciência do século XX, o compartilhamento de ideias e experiências entre cientistas e tecnólogos ou práticos, dentro do ambiente acadêmico, é a forma mais arrojada para se avançar no conhecimento, mudando paradigmas e criando novas fronteiras. Para ele, há ganho indiscutível em se trazer para o ambiente acadêmico profissionais dotados de conhecimento e experiência prática em sua área de atuação.
 
Um dos primeiros educadores do século XX a apontar a necessidade de inclusão da experiência prática na educação foi o americano John Dewey. Em sua obra seminal Experience and Education, publicada originalmente em 1938, Dewey[2] compara os métodos tradicionais aos novos métodos pedagógicos:
 
To imposition from above is opposed expression and cultivation of individuality; to external discipline is opposed free activity; to learning from texts and teachers, learning through experience; to acquisition of isolated skills and techniques by drill, is opposed acquisition of them as means of attaining ends which make direct vital appeal; to preparation for a more or less remote future is opposed making the most of the opportunities of present life; to static aims and materials is opposed acquaintance with a changing world (p.19-20).
 
Contudo, os melhores profissionais atuantes no mercado muitas vezes não têm títulos acadêmicos ou não têm tempo para se dedicar ao ensino com regularidade O contato com profissionais atuantes no mercado é uma maneira de garantir o conhecimento do mundo em constante mudança ao qual Dewey se refere. Mas enquanto Dewey se referia à importância da experiência no ensino em geral, a partir dos primeiros anos da infância, outros educadores famosos do século XX formularam teorias específicas sobre a formação profissional de jovens, enfatizando também a importância do treinamento prático. Dentre esses, destacam-se Herbert Simon, que propôs uma diferenciação entre as ciências do natural e as ciências do artificial, e Donald Schön, que analisou o processo de formação do profissional reflexivo.
 
Em The Sciences of the Artificial, publicado originalmente em 1969, Simon[3] critica a progressiva substituição das disciplinas práticas pelas teóricas na formação de profissionais como médicos, engenheiros e economistas. Segundo o autor, isso teria ocorrido durante o processo de incorporação das antigas escolas autônomas às grandes universidades, o que conferiu a elas a respeitabilidade acadêmica que desejavam, mas interferiu negativamente na formação dos profissionais:
 
As professional schools, including the independent engineering schools, were more and more absorbed into the general culture of the university, they hankered after academic respectability. In terms of the prevailing norms, academic respectability calls for subject matter that is intellectually tough, formalizable, and teachable. (…) The damage to professional competence caused by the loss of design from professional curricula gradually gained cognition in engineering and medicine and to a lesser extent in business (p.112).
 
Em 2010 a pró-reitoria de graduação criou um programa para trazer à Unicamp a experiência de profissionais altamente capacitados Contra os problemas apontados acima, Simon propõe a educação de alto nível intelectual tanto no ensino das ciências básicas ("how things are") como em sua aplicação ("how things ought to be"). Em outras palavras, Simon defende o ensino rigoroso dos processos de design, presentes não apenas nas engenharias e arquitetura (e.g. design de um edifício ou de um equipamento), mas também na medicina (e.g. design de uma nova técnica cirúrgica) ou na economia (e.g. design de um plano econômico para salvar a economia de um país). Isso garantiria a formação de um profissional com capacidades propositivas, e não apenas conhecimento teórico.
 
Na Unicamp a experiência prática já vinha sendo incluída na formação dos alunos por meio de incentivos ao estágio, que em muitos cursos é obrigatório. Contudo, ao passarmos a responsabilidade da formação prática às empresas perdemos o controle sobre sua qualidade, e não podemos ter a certeza de que os alunos terão, de fato, contato com profissionais altamente gabaritados.
 
Em Educating the Reflective Practitioner: Towards a New Design for Teaching and Learning in the Professions, Donald Schön[4] explica as diferenças entre o ensino teórico e o prático:
 
"The nonroutine situations of practice are at least partly indeterminate and must somehow be made coherent. Skillful practitioners learn to conduct frame experiments in which they impose a kind of coherence on messy situations and thereby discover consequences and implications of their chosen frames. From time to time, their efforts to give order to a situation provoke unexpected outcomes – 'back talk' that gives the situation a new meaning. They listen and reframe the problem. It is this ... that constitutes a reflective conversation with the materials of a situation – the design-like artistry of professional practice." (p. 158)
 
Segundo Schön, na prática profissional lidamos tipicamente com situações inesperadas, frente às quais é necessário refletir e inovar, pois a maioria das decisões não pode ser prevista de antemão. Para este autor, apenas os bons profissionais são capazes de reconhecer padrões e inferir conhecimento a partir dessas situações, em um processo contínuo de aprendizagem.
 
Os professores visitantes são convidados a participar da vida acadêmica durante um semestre, contribuindo para a formação dos alunos com base em sua experiência pessoal e profissional Exemplos de programas existentes
Diversas universidades no mundo têm investido em programas com o objetivo de ampliar a participação de profissionais de alto gabarito na formação de seus alunos. Só a Faculdade de Direito da Universidade Cornell, por exemplo, emprega um milhão de dólares por ano com o programa Practitioner-in-Residence, e dois milhões por ano no programa Distinguished Visiting Faculty[5].
 
O MIT também possui uma tradição estabelecida no que se refere à participação de professores, cientistas, artistas e profissionais atuantes no mercado, recebendo cerca de 1.700 professores externos por ano. Os visitantes recebem a denominação de visiting engineer, visiting scientist, visiting scholar, visiting professor ou visiting lecturer, dependendo de sua atuação profissional. O regulamento específico para cada categoria está disponível na página de Policies and Procedures do MIT[6].
 
Segundo Thomas Khun, o compartilhamento de ideias e experiências entre cientistas e tecnólogos ou práticos, dentro do ambiente acadêmico, é a forma mais arrojada para se avançar no conhecimento Além dos programas específicos de cada departamento, o MIT oferece dois programas gerais, custeados com verba própria: o Dr. Martin Luther King Jr. Visiting Professor Program[7] e o Artist-in-Residence (AiR)[8]. O primeiro é um programa específico para pessoas de grande reconhecimento que representam minorias, em especial afro-americanos e mulheres. O segundo é específico para as áreas artísticas, e faz parte de um pacote de ações que inclui prêmios e atividades artísticas oferecidos aos alunos da universidade como um todo, não restritos apenas aos alunos dos cursos de artes. Outros exemplos de programas semelhantes existentes em universidades do exterior são apresentados na Tabela 1. Dentre esses, poucos se destinam a todos os cursos da universidade, sendo a maioria orientada especificamente às escolas profissionais.
 
Tabela 1. Exemplos de programas de professores visitantes em diferentes universidades
 
Programa
Escola/Faculdade
Universidade
País
Área
Distinguished Visiting Practitioner
International Center for Ethics, Justice and Public Life
Brandeis University
Estados Unidos
Direito
W.J. Smith Practitioner-in-Residence Program
Chapel Hill School of Pharmacy
The University of North Carolina
Estados Unidos
Farmácia
Visiting Practitioner
 Graduate School of Education
 Harvard University
Estados Unidos
Educação
Distinguished Practitioner In Residence
 
University of Washington
Estados Unidos
Todas
Practitioner-in-Residence
College of Veterinary Medicine
Cornell University
Estados Unidos
Veterinária
Visiting Practitioners, Professors and Fellows
Ashcroft International Business School
Anglia-Ruskin University
Reino Unido
Administração
Visiting Scholars Scheme
Faculty of Arts and Social Sciences
National University of Singapore
Cingapura
Ciências Sociais
Programa de Visitantes Distinguidos e Investigadores Extranjeros
 
Universidad Complutense de Madrid
 Espanha
Todas
 
No Brasil a Universidade de São Paulo (USP) mantém o Programa de Bolsas para Professor Especialista Visitante[9], que tem como objetivo "propiciar aos docentes e discentes da USP a oportunidade de compartilhar conhecimentos com professores de outras instituições, nacionais e estrangeiras". Apesar de ter um perfil mais voltado para pesquisadores, o programa prevê a possibilidade de participação de "especialistas de reconhecido valor" sem obrigatoriedade de titulação acadêmica.
 
Na Unicamp a experiência prática já vinha sendo incluída na formação dos alunos por meio dos estágios, mas ao passarmos essa responsabilidade às empresas não podemos ter a certeza de que os alunos terão, de fato, contato com profissionais altamente gabaritados A própria Unicamp já possuía dois programas voltados à contribuição de professores externos à Universidade: o Artista Residente, criado pela reitoria, e o Pesquisador Visitante do Exterior, criado pela pró-reitoria de pesquisa. Contudo, o primeiro é voltado apenas a profissionais ligados às Artes e o segundo é destinado exclusivamente a pesquisadores estrangeiros, sem a obrigatoriedade de permanência por um semestre letivo inteiro e tendo como prioridade a participação em grupos de pesquisa e no ensino de pós-graduação.
 
O Programa Professor Especialista Visitante em Graduação da Unicamp (PPEVG) difere de todos os programas analisados pelas seguintes razões: (1) é destinado prioritariamente ao ensino de graduação, embora permita que o visitante desenvolva atividades de pesquisa e extensão; e (2) tem como público-alvo todos os cursos da universidade, e não apenas as carreiras de cunho tipicamente mais aplicado. O programa é inovador por ver em todas as carreiras uma possibilidade de atuação profissional, não estando direcionado apenas às carreiras que Herbert Simon chamaria de "Ciências do Artificial".
 
Outra dificuldade é obter a participação de professores da casa e a permanência dos alunos em disciplinas eletivas por causa da carga horária elevada a que alunos e professores estão sujeitos Programa Professor Especialista Visitante em Graduação
O Programa Professor Especialista Visitante em Graduação tem por objetivo possibilitar aos alunos e docentes da Unicamp a interação com profissionais de sua área com grande conhecimento técnico-científico e de reconhecimento nacional ou internacional, possibilitando sua interação com a comunidade acadêmica e o estabelecimento de laços mais profundos com a comunidade externa à Universidade. O conjunto de atividades que se espera que o visitante exerça durante o semestre letivo em que atuará na Unicamp abrange, obrigatoriamente, o oferecimento de uma palestra aberta à comunidade e de uma disciplina regular ou eletiva de graduação, totalizando 60 horas[10]. Opcionalmente, o professor visitante também pode contribuir com outras disciplinas de graduação e de pós-graduação, orientar e participar em bancas de trabalhos de conclusão de cursos, co-orientar trabalhos de pesquisa e extensão e oferecer workshops de curta duração.
 
O programa foi implantado no final de 2010 e tem lançado desde então editais semestrais. Cada coordenador pode elaborar uma proposta, contendo a indicação de apenas um candidato, a qual deve ser ratificada pela comissão de graduação do curso e aprovada pela congregação da unidade.
 
A seleção das propostas é feita por uma comissão designada pela pró-reitoria de graduação, que seleciona uma ou duas propostas por área do conhecimento, dependendo dos recursos alocados. A comissão é composta por um membro de cada uma das grandes áreas. Os membros convidados são consultados quanto a possíveis conflitos potenciais de interesse antes de serem designados para a comissão.
 
A comissão leva em conta os seguintes critérios de seleção:
 
·                    Pertinência e impacto esperado das atividades de ensino programadas para a visita, principalmente no que diz respeito à formação dos alunos de graduação;
·                    Complementação de áreas pouco enfatizadas no currículo, ou em que haja carência de especialistas;
·                    Currículo do especialista visitante, em especial no que se refere à sua experiência e sucesso profissional, e sem a obrigatoriedade de titulação acadêmica.
 
O MIT tem uma tradição de participação de professores, cientistas, artistas e profissionais atuantes no mercado, recebendo cerca de 1.700 professores externos por ano A seleção não é feita com base na comparação entre os currículos dos candidatos, e sim entre as propostas completas apresentadas. É dada prioridade às propostas apresentadas pelos cursos que ainda não tenham sido contemplados, ou que foram contemplados menos vezes. Ao final do período de estadia do visitante são exigidos um relatório de atividades elaborado pelo mesmo e um parecer da coordenadoria de graduação avaliando os impactos de sua participação no curso.
 
O PPEVG tem permitido introduzir a experiência prática de profissionais na formação dos alunos de graduação nas diversas áreas da Universidade. Os professores da Unicamp, por outro lado, estão tendo a oportunidade de ampliar, complementar e confrontar seus conceitos e conhecimentos com os dos profissionais atuantes no mercado. O programa encontra-se no quarto semestre de implementação e até este momento foram selecionados 22 professores, listados na Tabela 2.
 
Tabela 2. Professores visitantes selecionados nos dois primeiros anos do programa nas áreas de Exatas (E), Humanas/Artes (H), Tecnológicas (T) e Biológicas/Saúde (B)
Sem. e Ano
Área
Curso
Área
Professor visitante
1º sem. 2011
E
Ciências da Terra*
Geofísica
Luiz Ferreira Vaz
H
História
História medieval
João Gomes da Silva Filho
T
Tecnologia Ambiental*
Legislação ambiental
Fernando Cardozo Fernandes Rei
2º sem. 2011
E
Química
Ensino e história da química
Maria Helena Roxo Beltran
E
Matemática
Metodologia de ensino
Raquel Normandia M. Brumatti
H
Ciências Sociais
Ciclo orçamentário
Gil Castello Branco
H
Dança*
Improvisação
Luiz Fernando Bongiovanni Martins
T
Engenharia Química*
Gerenc. de projetos na indústria
João Miguel Bassa
T
Tecn.Telecomunic.*
Cultura de inovação tecnológica
Sérgio Perussi Filho
 
B
Medicina*
Educação médica
Thomas Maack
 
B
Enfermagem*
Segurança do paciente
Anna Margherita G. Toldi Bork
1º sem. 2012
H
Gestão de Empresas*
Gestão de projetos e gestão de riscos
Edgard Pedreira de Cerqueira Neto
H
História
História e arquivística de documentos
Carlos Alberto Ungaretti Dias
T
Engenharia de Manufatura*
Relação entre consumidor e produto
Ioanis Athanase Sarantopoulos
T
Tecn. em Analise e Des. de Sistemas*
Computação natural
Leandro Nunes de Castro Silva
B
Fonoaudiologia*
Saúde coletiva e educacional
Maria Teresa Pereira Cavalheiro
B
Farmácia*
Inovação tecnológica de produtos
José Antonio Martins
2º sem. 2012
H
Ciências Econômicas
Economia do trabalho
Carlos Salas Páez
T
Tecn. em Saneamento Ambiental*
Ecologia
Maurea Nicoletti Flynn
T
Arquitetura e Urbanismo*
Arquitetura digital
Anne Save de Beaurecueil
B
Odontologia*
Anatomia
Miguel Carlos Madeira
B
Medicina*
Terapia intensiva (Albert Einstein)
Antônio Capone Neto
* Carreiras de orientação mais prática.
 

Figura 1. Distribuição das propostas recebidas e das bolsas concedidas por área do conhecimento, em números absolutos, nos 4 primeiros semestres do programa.
 
Tabela 3. Distribuição por área dos cursos, das propostas apresentadas e das propostas aprovadas (em número absoluto e em percentual das propostas apresentadas), nos 4 primeiros semestres do programa
 
 
Total cursos da área
Propostas recebidas
Propostas aprovadas
% de propostas aprovadas dentre as apresentadas na área
Humanas/Artes
22
13
6
46.2 %
Exatas
14
6
3
50.0 %
Biológicas/Saúde
11
10
6
60.0 %
Tecnológicas
24
19
7
36.8 %
 
Na Figura 1 é apresentada a distribuição das propostas recebidas e das bolsas concedidas por área do conhecimento. É possível notar que o número de propostas recebidas foi maior na área de Tecnológicas, o que se justifica pelo fato de essa área possuir grande afinidade com as aplicações práticas, mas também pelo fato de esta ser a área com o maior número de cursos na Unicamp. Na Tabela 3, contudo, nota-se que a área de saúde também teve um grande número de propostas proporcionalmente ao número de cursos na área. É preciso lembrar, no entanto, que, enquanto a área de Tecnológicas abrange apenas carreiras práticas, as demais áreas incluem carreiras com os dois perfis. Por exemplo, na área de Exatas encontram-se Física e Matemática, de perfil mais acadêmico, e Geociências, de perfil mais aplicado. Do mesmo modo, na área de Biológicas/Saúde estão tanto a Biologia como a Enfermagem, e na área de Humanas/Artes encontram-se tanto a Filosofia como a Dança.
 
Na USP, o Programa de Bolsas para Professor Especialista Visitante, apesar de ter um perfil mais voltado a pesquisadores, prevê a possibilidade de participação de "especialistas de reconhecido valor", sem obrigatoriedade de titulação acadêmica Embora os números apresentados reflitam apenas os quatro primeiros semestres do programa, sendo ainda muito cedo para determinar tendências com validade estatística, já é possível notar uma predominância de professores visitantes nas carreiras de orientação mais prática (16 ocorrências, marcadas com um asterisco na Tabela 2) em relação às ciências básicas (6 ocorrências). Também é possível dizer que o programa teve como uma de suas consequências a discussão, nas áreas tipicamente acadêmicas, das possibilidades de aplicação das ciências básicas à sociedade. Nesse sentido, é particularmente interessante o caso da participação de um especialista em arquivística no curso de História, o que demonstra a contribuição prática que o programa pode dar a uma área tipicamente acadêmica. Esse caso é relatado a seguir.
 
O Programa Professor Especialista Visitante em Graduação da Unicamp tem por objetivo possibilitar aos alunos e docentes da Unicamp a interação com profissionais de sua área com grande conhecimento técnico-científico e de reconhecimento nacional ou internacional O caso da História
O Programa Professor Especialista Visitante em Graduação se mostrou um desafio para os cursos tradicionais de humanidades como o de História, área do saber cujas bases modernas se consolidaram entre meados dos séculos XVIII e XIX, antes, portanto, do surgimento das ciências humanas mais recentes, como a sociologia e a antropologia, que desenvolveram um caráter aplicado mais evidente. O primeiro desafio veio da necessidade de se acrescentar algo a um cenário bem estabelecido, baseado no cruzamento entre sequência cronológica e critérios de ordem nacional e continental (História Antiga, Medieval, Moderna, Contemporânea, da América, do Brasil e da África) e em afinidades teórico-metodológicas que estabelecem um panorama da produção do conhecimento histórico do qual a atual estrutura curricular dá conta de maneira eficiente. O edital permitia pensar em ir além: oferecer algo de particular a uma geração de estudantes por meio de uma disciplina concebida por um profissional marcado por uma experiência profissional exterior à universidade.
 
O visitante deve dar uma palestra aberta à comunidade e uma disciplina regular ou eletiva de graduação, totalizando 60 horas O desafio se constituiu, enfim, porque a História oferece quase que exclusivamente o magistério como campo de atuação profissional. O edital do programa apontava que o professor especialista visitante deveria trazer uma experiência profissional que não encontrasse paralelo nas circunstâncias usuais de formação do curso, onde o aluno entra em contato fundamentalmente com professores-pesquisadores. Assim, o primeiro resultado positivo do edital foi a discussão que provocou a propósito do perfil profissional adequado. O caráter recorrente dos editais potencializou a formação de um ambiente propício ao aprimoramento da discussão. Por ora, podemos pressupor que esse esforço de reflexão acompanhado pelo exame atento dos resultados alcançados com as disciplinas ofertadas pelo Programa Professor Especialista Visitante em Graduação tem o potencial de evoluir para a discussão do perfil profissional do historiador e, assim, para a reconsideração da estrutura curricular do curso e do conteúdo das disciplinas oferecidas pelo curso de História.
 
O problema do perfil adequado ao professor visitante poderia ter sido contornado pela proposição de um candidato externo ao círculo de especialistas da História. Foi discutida a possibilidade de convite a profissionais do jornalismo, de outras ciências humanas e mesmo artistas que tivessem em suas atividades a oportunidade ou necessidade de refletir sobre a produção, a difusão e a crítica da memória coletiva e/ou da história[11]. No entanto, considerou-se que os esforços deveriam se concentrar na identificação de um profissional cuja experiência pudesse ser remetida de forma direta à formação do historiador.
 
Também pode contribuir com outras disciplinas de graduação e pós, orientar e participar em bancas de TCC, co-orientar trabalhos de pesquisa e extensão e oferecer workshops Chegou-se assim ao nome de Carlos Ungareti Dias para professor especialista visitante do curso de História durante o primeiro semestre de 2012 (março a junho). Um fator decisivo para a escolha foi o impacto de sua visita ao curso de História durante 2011. Na ocasião o professor fora convidado para apresentar o arquivo eletrônico do Arquivo Histórico da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, inaugurado em março de 2010, aos alunos da disciplina obrigatória do curso de História, Laboratório de História I, que objetiva apresentar e discutir tipologias documentais e técnicas para sua abordagem. A temática da visita teve uma acolhida tão positiva que os alunos pediram que o professor retornasse na semana seguinte, o que aconteceu. Assim, a coordenação de três critérios determinou o perfil do professor especialista visitante: o exame coletivo das possibilidades deixadas em aberto pela estrutura curricular do curso; o respeito estrito à solicitação do edital de oferta de uma atuação profissional além daquela comumente acessível ao aluno e a aferição dos interesses do corpo discente por meio do registro do resultado das visitas de conferencistas junto ao curso.
 
Os professores da Unicamp estão tendo a oportunidade de ampliar, complementar e confrontar seus conceitos e conhecimentos com os dos profissionais atuantes no mercado Historiador de formação, com doutorado em História do Brasil Colonial pela USP, autor de uma profunda e extensa pesquisa histórica a respeito do Jardim da Luz, em São Paulo, que serviu de base à reforma do parque, realizada entre 1999 e 2000 [12], com experiência no ensino superior privado, onde lecionou História do Brasil Contemporâneo e História Contemporânea, o prof. Carlos Ungareti Dias tinha uma trajetória profissional marcada pela atuação na concepção, organização, conservação, modernização e estudo de arquivos públicos. Desde 1996 atuando como diretor do Arquivo Histórico[13] da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Carlos Dias é responsável pela organização e conservação do arquivo e, sobretudo, pela idealização e realização do projeto de digitalização de seu acervo, que conta com mais de 8 milhões de documentos. Destes, 350 mil pertinentes ao Império e à República Velha já foram digitalizados e estão disponíveis ao público, que encontra no site ferramentas complexas de pesquisa. O desafio da disciplina era oferecer aos estudantes uma visão detalhada da importância e potencial dos arquivos públicos, colocando em relevo a originalidade dos problemas que poderiam ser propostos a esses fundos documentais, a compreensão das potencialidades e problemas (técnicos e documentais) que emergiram da digitalização dos acervos e a importância de historiadores se ocuparem da reflexão e concepção dos mesmos, contrariando a prática corrente que delega essa função a arquivistas e bibliotecários de formação. A disciplina ofereceu assim uma discussão atual que envolve a política do estabelecimento e curadoria dos arquivos, as questões técnicas postas pelo uso de meios digitais, a importância de os historiadores se profissionalizarem na área e, para aqueles que não têm essa intenção, a riqueza tipológica e temática dos documentos "oficiais", muitas vezes considerados desinteressantes ou limitados.
 
O programa da Unicamp está no 4º semestre de implementação e até este momento foram selecionados 22 professores visitantes A digitalização do acervo da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo permitiu que o arquivo fosse trazido à sala de aula. Como grande conhecedor do arquivo, o visitante transformou em atividade direta os exercícios analíticos que normalmente os professores fazem de maneira mais indireta, baseada em alguns poucos exemplares documentais. O arquivo virtual permitiu a abordagem de vários corpus documentais e, a partir de seu conhecimento, a dedução de problemáticas, métodos, técnicas e conceitos. A formação profissional do professor especialista visitante permitiu uma dinâmica nova entre objeto e teoria em sala de aula, e o manuseio de uma massa documental mais ampla e complexa. A disciplina, dessa forma, permitiu que os estudantes tivessem contato com uma forma pouco difundida de atuação profissional e com um meio mais complexo de formação técnica, enquanto historiadores-pesquisadores, na medida em que o meio digital constituiu um laboratório mais próximo ao arquivo real do que o habitualmente permitido pelos exercícios realizados em sala de aula.
 
O contato com os arquivos não é simples. Exige tempo para o reconhecimento do terreno geral para que as formas de armazenamento não entravem a descoberta de outros ambientes documentais de pesquisa que possam ser úteis ao historiador. Em relação ao acervo da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o treino técnico foi coadjuvado pelo aprendizado dos critérios que tiveram impacto na organização do material armazenado e, dessa forma, com relação a esse arquivo, os estudantes já venceram em boa medida uma primeira etapa de aproximação e experiência que pode ser fundamental a futuras descobertas a respeito da história brasileira, notadamente do estado de São Paulo.
 
O programa já teve como uma de suas consequências a discussão, nas áreas tipicamente acadêmicas, das possibilidades de aplicação das ciências básicas à sociedade A disciplina oferecida pelo professor visitante foi marcada por dois eventos nacionais pertinentes à arquivística e aos estudos históricos: em 16 de maio de 2012 começou a vigorar a Lei de Acesso à Informação (lei 12.527 de 18 de novembro de 2011) que estabeleceu o direito de livre acesso dos cidadãos a todos os documentos públicos, e foram instalados os trabalhos da Comissão da Verdade, encarregada de investigar a violação dos direitos humanos pelo Estado entre 1946 e 1988. Os dois eventos foram incorporados à disciplina e se tornaram tema de conferência aberta à comunidade – uma das atividades obrigatórias do professor visitante. A determinação legal da publicidade dos documentos oficiais colocou em questão a necessidade de organização arquivística da documentação do Estado e a interferência profissional do historiador na concepção desse processo.
 
Uma dificuldade é a falta de flexibilidade dos currículos e da estrutura acadêmica para acomodar disciplinas de maior ou menor carga horária ou em formatos diferentes, como workshops A Comissão da Verdade trouxe à tona o evanescimento da memória dos anos da ditadura junto à geração que hoje realiza estudos de graduação. Assim, decidiu-se encerrar a disciplina com uma atividade de pesquisa direta, por meio da coleta, registro e análise de testemunhos orais a respeito da vida política entre o período que vai do golpe de Estado em 1964 ao encerramento do regime militar em 1985. Ao contrário do esperado, as 20 duplas de pesquisadores constituídas para esse trabalho optaram majoritariamente pelo depoimento de anônimos, ou seja, de pessoas que não haviam produzido nenhum tipo de reflexão formal sobre o período em questão, o que evidencia a confiança dos jovens nas técnicas apreendidas ao longo da disciplina. Depois do encerramento da disciplina foi criado um grupo de seminário que, sob a coordenação do prof. Carlos Dias, reúne 15 alunos interessados em refinar os resultados dessa pesquisa. O objetivo do grupo é a publicação dos resultados sob a forma de artigo científico ou livro. Dois desses estudantes pretendem também, em co-orientação com professores do Instituto de Artes, realizar um documentário a respeito da pesquisa. 
 
Conclusão
Certamente existem ainda alguns pontos que devem ser melhorados ou mais trabalhados no PPEVG, tanto do ponto de vista logístico como cultural. No primeiro grupo destaca-se a falta de flexibilidade dos currículos e da estrutura acadêmica para acomodar disciplinas de maior ou menor carga horária que aquelas oferecidas normalmente, ou em formatos diferentes, como os workshops, o que pode ser necessário em alguns casos. Isso viabilizaria o atendimento a um número maior de alunos. No segundo grupo destaca-se a dificuldade em obter a participação de professores da casa e a permanência dos alunos em disciplinas eletivas, em consequência da elevada carga horária a que os alunos e professores já estão normalmente sujeitos.
 
Mesmo assim, a partir dos relatos dos coordenadores e da análise das avaliações dos cursos oferecidos pelos professores visitantes, realizadas semestralmente por meio de um sistema online, é possível concluir que o programa tem trazido grandes benefícios aos alunos. A maior vantagem do programa está provavelmente no fato de ele ser oferecido de maneira sistemática todos os semestres, por meio de editais abertos a todos os cursos, o que permite que as comissões de graduação planejem a atuação dos visitantes de modo a incluí-los no projeto pedagógico dos cursos, incluindo conteúdos inovadores que nem sempre estão previstos no currículo oficial.
 
A implementação desse programa demonstra que, apesar da falta de flexibilidade para a contratação de docentes existente na universidade pública, resultante de suas normas internas e de regulamentações estaduais e federais, é possível encontrar meios para garantir a diversidade de colaboradores e a constante atualização dos conteúdos ensinados, permitindo que os alunos tenham maior contato com as possibilidades e tendências no mundo do trabalho.


[1] Khun, T. A estrutura das revoluções científicas. Campinas, Editora da UNICAMP, 1962.
 
[2] Dewey, J. Experience and Education. N. York: Touchstone, 1997.
 
[3] Simon, H. A. The Sciences of the Artificial. Cambridge, MA, 1998.
 
[4] Schön, D. Educating the Reflexive Practitioner. San Francisco: Jossey-Bass, 1987.
 
[5] http://www.alumni.cornell.edu/giving_ops/law.cfm, acesso em 10 de agosto de 2012.
 
[6] http://web.mit.edu/policies, acesso em 10 de agosto de 2012.
 
[7] http://web.mit.edu/mlking/www/vpp_index.html, acesso em 10 de agosto de 2012.
 
[9] Resolução USP-5.553, de 15-6-2009, disponível em: ftp://ftp.saude.sp.gov.br/ftpsessp/bibliote/informe_eletronico/2009/iels.jun.09/iels110/E_RS-USP-5553_150609.pdf, acesso em 10 de agosto de 2012.
 
[10] A contribuição do professor visitante na carga didática da disciplina deve ser entre 50% e 75%, o que garante a convivência e troca de experiências com professores da Universidade.
 
[11] Essa possibilidade permanece em nosso horizonte. O curso de História já estabeleceu contatos com um jornalista destacado do país, hoje atuante como escritor profissional cujas obras tratam notadamente da biografia de personagens do cenário político e cultural do Brasil. Foram desenvolvidas conversações também com um cineasta de projeção nacional cujas obras refletem sobre o perfil político do Brasil atual. Esses profissionais conceituados têm demonstrado interesse em participar da formação de universitários por meio do Programa Professor Especialista Visitante em Graduação, a despeito de tratar-se de um processo sujeito à concorrência com outros candidatos e do esforço que pressupõe a idealização e condução de um programa acadêmico por profissionais habilitados em outras áreas. 
 
[12] A documentação reunida por Carlos Dias permitiu a preservação e recuperação de espaços físicos e funções sociais, bem como da flora do parque. Os apontamentos detalhados da pesquisa podem ser conferidos no livro escrito em co-autoria com Ricardo Ohtake, Jardim da Luz. Um museu a céu aberto.  São Paulo: Senac, 2011. Atualmente, Carlos Dias se ocupa de uma pesquisa similar que servirá de base para a reforma e recuperação do Parque do Ibirapuera, a mais importante área de lazer da cidade de São Paulo.
 
[13] Carlos Dias foi diretor do Arquivo entre 1996 e 1999 e novamente de 2007 até a presente data.
 
(no PDF, a ordem na paginação e a identificação das Tabelas 2 e 3 ficou invertida;
o correto é: a Tabela 2 na verdade é a 3; a Tabela 3 é na verdade a 2;
as referências a ambas tabelas no corpo do texto estão corretas)