20/02/2013

International Higher Education

Repensando o conceito da internacionalização

Hans de Wit
Hans de Wit é professor de internacionalização da educação superior na Universidade de Ciências Aplicadas de Amsterdã, Holanda, e diretor do Centro para a Internacionalização da Educação Superior da Università Cattolica Sacro Cuore de Milão, Itália. E-mail: j.w.m.de.wit@hva.nl
A Associação Internacional das Universidades começou a repensar o processo de internacionalização e suas práticas, de modo a posicionar a internacionalização e seus valores subjacentes na atual sociedade global do conhecimento (www.iau-aiu.net). Para além de simplesmente promover uma mudança radical do conceito, é necessário retornar ao seu significado original e a suas bases, compreendendo quais fatores contextuais estão influenciando a imagem original e exigindo ajustes.
 
Um conceito relativamente jovem
Ao contrário do que muitos supõem, o sentido de internacionalização, na educação superior, não tem mais do que duas décadas. Antes dos anos noventa, o termo usado coletivamente era “educação internacional”. Isto era menos um conceito do que um termo abrangente, que buscava englobar toda uma série fragmentada de atividades internacionais, pouco relacionadas entre si, na educação superior: o estudo no exterior, orientação de estudantes estrangeiros, intercâmbio de estudantes e funcionários entre universidades, ensino voltado para o desenvolvimento e estudos de áreas específicas. Foi somente nas duas últimas décadas que se tornou possível observar uma transição gradual do uso de “educação internacional” para “internacionalização da educação superior”, e a criação de uma abordagem mais conceitual para a internacionalização.
 
Vários fatores – como a queda da cortina de ferro, o processo da unificação europeia e a crescente globalização de nossas economias e sociedades – desempenharam um papel nesta transferência de uma noção fragmentada e marginal de “educação internacional” para o conceito da internacionalização mais integrado, ou seja, abrangente.
 
Por que repensar o conceito?
Se a internacionalização ainda é um conceito relativamente jovem, temos até uma necessidade de repensá-lo – com base numa série de fatores principais. Em primeiro lugar, o discurso da internacionalização nem sempre parece ser associado à realidade, sendo a internacionalização mais frequentemente interpretada como um sinônimo de educação internacional – ou seja, uma soma de termos fragmentados e geralmente pouco relacionados entre si – do que como um processo e um conceito abrangentes. Neste aspecto é preciso ver o relatório da NAFSA: Associação dos Educadores Internacionais, elaborado por John Hudzik e intitulado “Internacionalização Abrangente: do Conceito à Ação” (www.nafsa.org/cizn), mais como um chamado de despertar do que como a apresentação de um novo conceito. Internacionalização abrangente é uma tautologia: a internacionalização não é internacionalização não for abrangente, ou então não passa da velha educação internacional.
 
O desenvolvimento posterior da globalização, a intensificação do tratamento do ensino como commodity e a noção de uma economia e uma sociedade global do conhecimento também resultaram numa nova gama de formas, provedores e produtos – como a instalação de campi no exterior, franquias e a comercialização dos serviços de ensino. Além disso, uma consequência vista atualmente é o ocasional surgimento de dimensões, visões e elementos conflitantes no discurso da internacionalização.
 
O contexto do ensino superior internacional também está mudando num ritmo acelerado. Até recentemente, a “internacionalização” no sentido do “educação internacional” era predominantemente um fenômeno ocidental, e os países em desenvolvimento desempenhavam nele um papel reativo. As economias emergentes e a comunidade de educação superior de outras partes do mundo estão alterando a paisagem da internacionalização. Afastando-se do conceito ocidental e neocolonial, que orienta a percepção de “internacionalização” de muitos educadores, este princípio precisa incorporar estas visões diferentes e emergentes.
 
Des-internacionalização?
A África – região com muitos acadêmicos donos de diplomas estrangeiros, pós-graduados com experiência de estudo no exterior e, também, com conhecimentos e conceitos importados – apresenta provavelmente uma educação mais internacionalizada do que qualquer outra região. Mas o impacto desta situação não é necessariamente positivo e, talvez, a África tenha a ganhar, inicialmente, com um processo de des-internacionalização, liberando-se dessas influências externas, antes de poder desenvolver sua própria posição na sociedade global do conhecimento.
 
Além disso, o discurso da internacionalização é muito dominado por um pequeno grupo de envolvidos: líderes do ensino superior, governos e corpos internacionais. Outros participantes, como o campo profissional e, em especial, o corpo docente e o corpo discente, dispõem de um espaço muito menor. Assim, o discurso não é suficientemente influenciado por aqueles que mais sofrem seu impacto.
 
Com relação a este ponto, uma parcela desproporcionalmente grande do discurso é voltada para o nível nacional e institucional, com pouca atenção à escala de cursos e programas educacionais: pesquisa, currículo e os processos de ensino e aprendizado – que deveriam estar mais próximos do núcleo da internacionalização, como defendido por movimentos como o “Internacionalização em Casa”.
 
Necessidade de mais atenção à ética
Um sexto problema é o fato de a internacionalização ser muito voltada para a relação entre entrada e saída – uma abordagem quantitativa pautada pelos números, em lugar de uma abordagem orientada pelos resultados. Além disso, o discurso dedicou pouca atenção às normas, valores e princípios éticos da prática da internacionalização. A abordagem tem sido demasiadamente orientada de maneira pragmática, preocupada com o cumprimento de metas, sem que haja um debate envolvendo os riscos potenciais e as consequências éticas. O recente debate envolvendo o uso de agentes recrutadores nos Estados Unidos – os problemas com a fraude de diplomas e a deficiência no controle de qualidade dos serviços prestados no exterior – ilustra a necessidade de mais atenção para a ética e os valores da internacionalização.
 
Uma última questão, com base na necessidade de se repensar a internacionalização, é a consciência cada vez maior de que a ideia da “internacionalização” não envolve apenas a relação entre os países, e sim as relações entre culturas e entre o global e o local.
 
Todos esses pontos são princípios para se repensar a internacionalização. O motivo maior é o de a internacionalização ser considerada em boa medida como um fim em si, e não como um meio para a obtenção de um resultado. A internacionalização é uma estratégia para aprimorar a qualidade do ensino e da pesquisa. Este objetivo é muitas vezes esquecido, na busca por metas quantitativas. Mais do que uma tentativa de redefinir o ainda jovem conceito da internacionalização, o exercício de repensá-lo, iniciado pela Associação Internacional de Universidades, precisa ser um chamado à ação para trazer de volta ao primeiro plano os valores e objetivos centrais da internacionalização.