28/08/2012

International Higher Education

O exame de admissão universitária na China

Liu Haifeng
Haifeng dirige o Instituto de Pedagogia da Universidade Xiamen, China. E-mail: liuhf@xmu.edu.cn
O exame que possibilita a admissão nas universidades chinesas (gaokao) é um dos sistemas mais antigos do mundo para a seleção de estudantes de ensino superior por meio de exames unificados. A cada ano, entre os dias 7 e 9 de junho, milhões de estudantes fazem o exame ao mesmo tempo. Em 2008, o número de participantes foi o maior já registrado: 10,5 milhões de candidatos fizeram a prova. Em 2011, o número foi de 9,33 milhões. A aprovação no exame de admissão é o único canal por meio do qual a maioria dos estudantes pode entrar nas universidades e faculdades. A nota determina as chances do candidato e o nível de qualidade e prestígio da universidade que poderá ser frequentada por ele.
 
História
Desde o seu estabelecimento, em 1952, o exame de admissão tem sido um ponto chave no elo entre as instituições de ensino superior e as escolas de ensino secundário, e também um elemento fundamental ligando as instituições de ensino superior à sociedade. Assim, essa política sempre foi um aspecto importante da reforma do ensino na China e um ponto focal de preocupação para todo o ciclo do ensino e a sociedade como um todo.
 
A Grande Revolução Cultural teve início em 1966. Nos círculos do ensino e da cultura, a abolição do exame de admissão foi encarada como um avanço expressivo para o movimento, e as faculdades e universidades pararam de aceitar novas matrículas durante alguns anos. De 1972 a 1976, o método das recomendações foi adotado no recrutamento universitário, e somente os jovens com experiência prática receberam o direito de acesso ao ensino superior. Nas recomendações estudantis, a prioridade era dada ao desempenho dos estudantes no trabalho, e não às suas conquistas acadêmicas.
 
Após um intervalo de 11 anos, a restauração do exame de admissão em 1977 deixou exultantes dezenas de milhares de jovens instruídos. Em 1977, quando o exame de admissão foi reinstituído, as provas e o recrutamento foram conduzidos pelos governos provinciais, municipais e regionais. Em 1978, o modelo do exame nacional unificado e do recrutamento organizado localmente foi restaurado. Mais de 30 anos depois, uma série de reformas foi iniciada, trazendo medidas fundamentais.
 
Outra direção possível para a reforma seria mudar a prática atual de avaliar estudantes com diferentes habilidades por meio de um exame unificado que apresenta os mesmos requisitos. Um dos esquemas atualmente em debate estabelece uma distinção entre as faculdades e universidades normais de graduação, ou universidades-chave, e as universidades juniores. Aqueles que pretendem cursar instituições do primeiro tipo se submetem a exames nacionais e unificados, que podem incluir conteúdos além daqueles previstos no currículo do ensino médio. Os exames concentram-se mais em medir as habilidades do aluno, enquanto aqueles que buscam as instituições do segundo tipo fazem exames inteiramente preparados a partir do currículo do ensino médio. Além disso, haverá novas melhorias no formato dos exames.
 
Novo desenvolvimento a partir de 2010
Em julho de 2010, o governo chinês promulgou o Plano Nacional de Desenvolvimento e Reforma do Ensino para o Médio e o Longo Prazo, cujo capítulo 12 envolve a “reforma do sistema de exames e matrículas”. Considerando os perfis anteriores das reformas no ensino chinês, essa é a primeira vez que o exame e o processo de matrícula tornaram-se um capítulo independente. Mostra que o governo presta muita atenção a esse aspecto. No capítulo em questão, o governo sugere que “uma Comissão Nacional de Direcionamento nos Exames do Ensino deve ser criada para estudar a melhor maneira de orientar o programa de reforma nos exames e para guiar a reforma das práticas universitárias relativas aos exames de admissão”. Tal decisão indica a grande importância das reformas no exame e no processo de matrícula.
 
Consequências positivas e negativas
O exame de admissão aprimora a seleção de indivíduos qualificados para as universidades. Promove também o ensino e o aprendizado nos níveis médio e fundamental. Os testes proporcionam aos candidatos a oportunidade de depender totalmente de si mesmos. A sensação de autonomia motiva milhões de jovens a se esforçar nos estudos; e isso faz com que o nível geral de habilidade intelectual de todo o país seja elevado, e o ensino também seja revitalizado. A promoção da igualdade é a alma do exame, e “justiça, igualdade e transparência” são as noções centrais da política chinesa de exames. As provas promovem também a mobilidade hierárquica. Têm sido um canal importantíssimo para os estudantes rurais que buscam residência nas áreas urbanas. Desde a retomada do gaokao em 1977, foi grande a sua contribuição para a seleção de indivíduos qualificados para o ensino superior – muitas dessas pessoas desempenham hoje papéis importantes em cada setor da sociedade. O rápido crescimento econômico dos últimos 20 anos observado na China também pode ser em parte atribuído à retomada do exame de admissão e às suas reformas posteriores.
 
Entretanto, o teste nacional unificado de admissão também resulta em consequências negativas para o ensino médio e fundamental. As instituições de ensino médio voltam suas atenções para a proporção de sucesso nos exames de admissão. Os alunos precisam dedicar-se ou a Ciências ou a Humanidades, ignorando completamente a outra área, já que não será incluída no exame de admissão. A pressão acadêmica é demasiadamente alta, e a carga de trabalho é pesada demais para os estudantes. A saúde física dos alunos sofre com isso, e é constante o aumento no número de casos de miopia. Os estudantes são também confinados em certas formas de pensar, tendo sua criatividade individual suprimida. Efeitos semelhantes ocorrem no nível escolar: as escolas tornam-se mais parecidas umas com as outras, pois as notas altas nos exames de admissão passam a ser a grande e única meta do ensino e do aprendizado. A prática de “lecionar para a prova” prevalece no gaokao: os temas e conteúdos do exame tornam-se o foco, enquanto as matérias que não são exigidas acabam completamente ignoradas. Isso já resultou no estreitamento das perspectivas dos estudantes e na concentração de seus esforços nos exames, com o único objetivo de alcançar fama e riqueza. A meta pretendida do ensino médio é então alvo de uma expressiva distorção. O sistema de exames de admissão tem vantagens e desvantagens. Ele ainda é um dos temas mais importantes e centrais na reforma do ensino na China.
 
Importância e futuro
Um sistema de admissão que depende essencialmente da nota obtida numa prova enquanto critério de avaliação demonstra uma tendência que está além das manobras de qualquer indivíduo. Em tese, não seria a melhor ferramenta de seleção; mas, na prática, não existe substituto melhor. Se esse importante papel decisivo não couber às provas, então o poder, o dinheiro e as relações pessoais substituiriam as notas, tornando-se componentes chave na definição da admissão. Assim, o sistema unificado de testes parece ser uma ferramenta eficaz para garantir concorrência justa e proporcional. Trata-se de um sistema compatível com o contexto social e cultural da China, que precisa sem dúvida de constantes reformas e melhorias, mas que não deve ser eliminado.
 
O sistema atraiu atenção ainda maior quando as vantagens e desvantagens desse tipo de exame maciço de admissão foram expostas por completo. Deve ser revelado que o exame nacional unificado causa impactos negativos no ensino nos níveis médio e fundamental, mas é preciso destacar também que consiste numa proteção das decisões de admissão diante da intervenção de muitos outros fatores, como relações pessoais. Apesar das consequências negativas, que pedem reformas, a eliminação dos exames não é a resposta certa para o ensino na China. Em geral, o sistema chinês de exames e matrículas existe há 60 anos; e, por mais que precise de contínuas reformas, mostra-se adequado à situação chinesa e deve durar muito tempo ainda.
 
Ausente uma mudança na perspectiva e na ênfase dos chineses diante do ensino, o sistema não vai ser alvo de um decréscimo na concorrência nos testes de admissão universitária, independentemente de um aumento na proporção de aprovados. A China vem tentando modificar a prática segundo a qual tudo depende de um teste padronizado. As universidades buscaram diferentes tipos de sistemas de recomendação, por exemplo, mas todas as opções tentadas tiveram resultado aquém das metas, graças à intervenção das relações pessoais. É somente por meio dos testes padronizados de abrangência nacional que a prática da admissão pode ser protegida da contaminação da influência pessoal. O sistema de exames de admissão universitária na China vai certamente tornar-se mais diversificado; entretanto, levando-se em consideração a situação da sociedade e a cultura tradicional da China, ele continuará a ser o principal canal de entrada nas universidades por muito tempo.