01/11/2010

Artigo

Um Plano Diretor para o Ensino Superior Público do Estado de São Paulo

Renato Hyuda de Luna Pedrosa | Departamento de Matemática, Imecc
Comvest, PRG
Coordenador, Grupo de Estudos em Ensino Superior (GEES), CEAv Unicamp

INTRODUÇÃO

O planejamento de longo prazo em áreas estratégicas para o desenvolvimento das sociedades, em particular nas áreas em que a ação pública é essencial, como a educação, é uma necessidade que apenas recentemente vem recebendo atenção mais cuidadosa no Brasil. A educação, além de ser setor reconhecido universalmente como essencial para o desenvolvimento de um país em todos os seus aspectos, é, para os indivíduos, a porta de entrada do mundo da cultura, da ciência, das artes, essencial para seu desenvolvimento profissional. Houve e há, mesmo hoje, poucas ações planejadas adequadamente (com objetivos, meios e metas bem estabelecidos, com horizontes realistas e práticas coordenadas) para tornar a educação brasileira, em todos os seus níveis, adequada às necessidades de uma sociedade moderna e democrática.

O ensino superior (ES) em nosso país é particularmente carente de ações estruturadas para trazer à maioria da população a oportunidade de experimentar os níveis mais altos da educação, em suas múltiplas formas. Em particular, de ações para alterar a situação de baixa abrangência e qualificação do sistema de educação superior em comparação com padrões internacionais, incluindo aqueles já atingidos por países emergentes com nível de desenvolvimento econômico similar ao nosso. O sistema de ES brasileiro não atinge mais do que 15% da população da idade apropriada (18-24 anos) e, mesmo nessa forma restrita, é majoritariamente privado, com mais de 75% das matrículas em instituições desse grupo, boa parte delas de baixíssima qualificação.

São Paulo, a principal unidade da Federação em termos populacionais e econômicos, apresenta o mais qualificado sistema de ES do País, tanto no setor público, com importantes instituições estaduais (USP, Unicamp, Unesp, Fatecs) e federais (ITA, Unifesp, UFSCar, UFABC), como no privado (FGV, PUCs, Mackenzie, FAAP, Insper-Ibmec), e um dos mais altos índices de abrangência, com 18% dos jovens de 18 a 24 anos matriculados em algum curso superior no estado. No entanto, a maior parte dessas matrículas ocorre em instituições de baixa qualificação, com pouquíssima participação do sistema público (menos de 20%). Essa e outras características do sistema de ES em São Paulo indicam a necessidade de ações coordenadas para torná-lo adequado às necessidades de formação que o estado requer para seu atual estágio de desenvolvimento e para suprir as futuras demandas, tendo em vista o processo atual de expansão econômica regional e nacional.

Este artigo relata a experiência da elaboração de um plano estratégico de longo prazo para o sistema de ES de São Paulo, com horizonte de 2006 a 2020. O projeto, com título Plano Diretor para o Desenvolvimento do Ensino Superior Público no Estado de São Paulo1, designado como Plano Diretor no que se segue, foi elaborado no período 2005-2006, como proposta da então Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico (SCTDE) e contou com apoio da Fapesp e da Finep2. Foram desenvolvidos estudos, formuladas metas e apresentadas propostas para atingi-las. Além de descrever o plano, fazemos, à guisa de introdução, uma breve descrição do sistema público paulista de ES e de sua história, que motivaram as recentes tentativas de planejamento para seu desenvolvimento futuro. Incluímos, também, um relato sobre um projeto precursor do Plano Diretor, a proposta de expansão do ES elaborada pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo (Cruesp) em 20013, suas propostas e seu impacto.

Apresentamos os princípios que orientaram a proposta para desenvolver o Plano Diretor, como se organizou sua elaboração e quais foram suas principais recomendações. Finalmente, indicamos como o Plano Diretor que se propôs ali colaborou para desenvolver uma visão mais integrada do sistema e como suas recomendações se relacionam com várias das atividades de expansão e qualificação do sistema público de ES em São Paulo ora em curso.

BREVE HISTÓRICO DO
ENSINO SUPERIOR PÚBLICO
ESTADUAL EM SÃO PAULO

São Paulo tem como marco identificador de seu sistema de ES a fundação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934. Ali, como afirmação da posição de liderança política e da nascente liderança econômica do estado, organiza-se a primeira verdadeira universidade brasileira, com perfil moldado no modelo acadêmico proposto por Humboldt no início do século XIX para a Universidade de Berlim4. Antes disso, como em outras unidades da Federação, havia várias instituições isoladas, com tradição na formação profissional liberal, como a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina e Cirurgia, a Escola Politécnica e a Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, em Piracicaba, que passaram a ser parte da recém-fundada USP. Mas o que a distinguiu, no contexto brasileiro de ES, foi a inclusão de uma faculdade com caráter universitário geral, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (hoje Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas). Ela incorporava todas as áreas acadêmicas, não profissionais, da formação superior (incluindo ciências exatas e matemática), e foi idealizada como um centro voltado para formação e pesquisa em sentido pleno e universalista.

Em 1948, a demanda pela expansão do ES público para o interior do estado levou à aprovação de um projeto de lei estadual (Lei Estadual nº 161/1948) que propõe a criação de faculdades da USP em São Carlos (engenharia), Ribeirão Preto (medicina), Bauru (odontologia) e Campinas (direito). Esta última nunca se concretizou, mas, em 1966, é lançada a pedra fundamental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), após 15 anos de desenvolvimento de uma estrutura de faculdades, incluindo cursos de medicina e engenharia, naquela cidade. A Unicamp, assim como a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, foi idealizada pelo professor Zeferino Vaz, originário de Manguinhos, no Rio de Janeiro, que havia passado por Brasília (Universidade de Brasília) e de lá trouxe ideias novas, como a formação inicial comum e a flexibilidade curricular.

Em 1976, a consolidação de diversas instituições existentes, algumas delas mantidas por fundações, outras com vínculos regionais e outras ainda faculdades isoladas estaduais, deu origem à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Originalmente formada por 14 unidades, está presente, hoje, em 23 municípios, destacando-se pela diversidade acadêmica e pelo caráter regional de algumas de suas unidades.

Há duas faculdades estaduais isoladas, na área da saúde, com cursos em medicina e enfermagem, em Marília (Famema) e em São José do Rio Preto (Famerp).
Outro grupo de IES estaduais é composto pelas Faculdades de Tecnologia (Fatecs), coordenadas pelo Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETPS), que administra também as Escolas Técnicas estaduais (Etecs). O sistema de Fatecs tem seu início com a instituição do CEETPS, em 1969, com o objetivo de oferecer educação superior voltada para setores de tecnologia, com programas de três anos, com fortes vínculos com o mercado de trabalho em que a unidade está inserida (desde o início se caracterizou como um sistema multicampi).

Finalmente, um sistema que, apesar de não estar vinculado ao poder público estadual, desempenha um papel relevante no cenário do ES estadual, é formado pelas instituições municipais de ES (Imes). Esse sistema é composto por mais de 20 instituições, duas delas universidades (Santo André e Taubaté), e as demais, centros universitários e faculdades isoladas; tinha, em 2006, mais de 60 mil alunos matriculados e responde, institucionalmente, ao Conselho Estadual de Educação. Portanto, está ao alcance do poder estadual atuar para integrar de forma mais próxima esse sistema num projeto de expansão e qualificação do sistema todo de ES do estado (Tabela 1).

Gráfico 1 – MATRÍCULAS NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO,
USP, UNICAMP E UNESP, 1989-2009

A AUTONOMIA DAS
UNIVERSIDADES PAULISTAS

Antes de passarmos à descrição dos fatos e movimentos relativos ao sistema de ES paulista a partir de 2001, que culminaram na proposta de um plano estratégico para esse setor do sistema educacional estadual em 2006, é importante ressaltar o papel que o estabelecimento do modelo de autonomia orçamentária das três universidades, em 1989, vem desempenhando desde então. Não é possível entender como esse sistema chegou ao nível de excelência acadêmica atual sem levar em conta esse instante que, pode-se dizer, marca uma inflexão no processo de institucionalização das universidades estaduais em São Paulo.

A atribuição de uma fração da quota-parte da arrecadação de ICMS do estado às universidades, que já havia sido extremamente bem-sucedida em estabelecer a Fapesp como ator proeminente no sistema de financiamento à pós-graduação e à pesquisa no cenário estadual e nacional, era agora estendido ao sistema universitário estadual.

Para se ter uma ideia do impacto que o sistema de autonomia praticado em São Paulo teve, de 1989 a 2009, sobre o desempenho das três universidades, apresentamos dados básicos de desempenho dessas universidades: matrículas, mestrados e doutorados. Para demonstrar como esse ganho não foi apenas em termos brutos, mas em termos de produtividade, os dados são apresentados, do lado direito dos gráficos, em índices por docente.

Os índices de produtividade apresentados são os melhores encontrados no Brasil e são semelhantes aos das melhores universidades públicas norte-americanas e europeias. Os dados da evolução para a produção científica também são expressivos: as três universidades estaduais respondem por 50% de toda a produção científica brasileira indexada internacionalmente, tendo crescido por um fator 10 desde 1989; mais de um artigo tem sido publicado por docente anualmente, em média, nos anos recentes. Esses dados são fundamentais para a compreensão das propostas para as universidades contempladas no Plano Diretor e discutidas neste artigo.

Gráfico 2 – TESES DE MESTRADO E DOUTORADO USP, UNICAMP E UNESP, 1989-2009

O PROGRAMA DE EXPANSÃO 2001-2006

Apesar da excelente qualidade e da produtividade crescente das universidades públicas paulistas mostradas na seção anterior, no início do presente século, em 2001, as três universidades agregavam apenas 8% das matrículas em nível de graduação no estado – 71 mil do total de 890 mil matrículas –, com as Fatecs adicionando apenas pouco mais de um ponto porcentual a esse valor, correspondendo a mais 12 mil matrículas (Tabela 1 e Gráfico 3).

Portanto, apesar do sucesso das universidades estaduais paulistas como formadoras de pessoal de alto nível, tanto na graduação como na pós-graduação, e geradoras de conhecimento, como vimos acima, o sistema público de ES em São Paulo se encontrava, naquele momento, em situação de baixa relevância numérica no cenário de formação em nível de graduação.

Essa situação motivou o Cruesp, órgão que congrega os reitores das três universidades estaduais, a elaborar e publicar em 2001 o documento Expansão do Sistema Estadual Público de Ensino Superior, já mencionado na Introdução deste artigo. Tratou-se da primeira proposta detalhada e abrangente de planejamento estratégico para o setor realizada em São Paulo, e provavelmente no Brasil. O horizonte temporal da proposta era de cinco anos; portanto, as metas estabelecidas deveriam ser atingidas ao final de 2006.

Outro aspecto inovador da proposta foi considerar o papel do sistema de faculdades de tecnologia estaduais, as Fatecs, para o programa de expansão que se propunha. Observe-se que, em 2001, as Fatecs eram responsáveis por apenas 14% das matrículas em instituições públicas estaduais (12 mil de 83 mil) e por pouco mais de 1% do total de matrículas (de quase 900 mil) no estado (Tabela 1 e Gráfico 3).

Gráfico 3 – NÚMERO DE UNIDADES, VAGAS
E MATRÍCULAS DO SISTEMA FATEC, 1996-2006

Os principais pontos da proposta de 2001 do Cruesp eram:
• Ampliação do número de vagas na graduação nas três universidades estaduais em 27,6% (4.145 novas vagas);

• Organização de novos campi nessas universidades para viabilizar esse objetivo;

• Criação de cursos sequenciais e básicos, tanto nas universidades quanto nas Fatecs;

• Apoio aos cursos profissionalizantes, tanto nas universidades quanto no sistema de Fatecs;

• Formação de professores para o ensino básico;

• Utilização de novas tecnologias.

O programa de expansão, para o quinquênio 2001-2006, se concentrou no conceito de cursos sequenciais e básicos, propondo que fossem oferecidas até 47 mil novas vagas por meio dessas modalidades. Para as universidades, em cursos tradicionais, a expansão seria de 4.145 novas vagas, ou 27,6% a mais do que existia em 2001. Propunham-se ainda a formação de 5 mil novos professores para a educação básica e a criação de mais 600 vagas no ensino tecnológico (Fatecs).

Em relação às propostas, tivemos os seguintes resultados: realizou-se a expansão nas universidades – foram criados os novos campi da Zona Leste da USP e de Limeira da Unicamp. A Unesp criou cursos novos nas unidades já existentes e oito cursos em sete novas unidades implantadas em outras cidades do interior paulista (Dracena, Itapeva, Ourinhos, Registro, Rosana, Sorocaba e Tupã).

Não houve a criação de cursos sequenciais ou básicos, mas os programas de formação de professores ocorreram nas três universidades. Porém, foi no sistema de Fatecs que a expansão mais intensa teve lugar, e as novas vagas foram todas direcionadas para o modelo de cursos voltados para a formação profissional, já vigente nessas instituições.

Além disso, o sistema privado não parou de se expandir, e de forma bastante intensa, particularmente no setor com fins lucrativos, em que os números de instituições, cursos e matrículas tiveram crescimento significativo no período, tanto no Brasil como em São Paulo.

Para vermos essa evolução em mais detalhes, a Tabela 1 apresenta um retrato geral da evolução do ES em São Paulo e no Brasil entre 2001 e 2006, com base nos dados do Censo do Ensino Superior.

Observamos que a participação do setor público no total, que já vinha caindo desde meados da década anterior, continua a se reduzir no Brasil, ficando mais ou menos estabilizada em São Paulo, onde representava, em 2006, 15% do total das matrículas, com o sistema estadual correspondendo a 9% do total. A Tabela 2 mostra a participação de cada setor, em 2001 e em 2006, em São Paulo.

Como mencionado, o setor público que mais cresceu foi o dos cursos profissionalizantes nas Fatecs, como mostra o Gráfico 3. Incluímos os dados a partir de 1996, para indicar como o sistema, que estava praticamente estagnado, com nove unidades, cerca de 3 mil vagas e 10 mil matrículas, sofre uma inflexão em 2001, com crescimento significativo em todos os aspectos.

Dadas as características do processo nas Fatecs, que não seguiram os modelos propostos pelo programa do Cruesp, entende-se que as mudanças refletem decisões tomadas independentemente do mesmo, indicando que já havia ocorrido uma alteração na política estadual em relação ao sistema de ES profissionalizante, que continuou nos anos seguintes (e, veremos, continua até o presente momento, de forma ainda mais significativa).

Tendo em vista que a abertura de vagas leva três anos para ter impacto completo sobre o número de matrículas no sistema Fatec, observamos que, em 2006, essas instituições já tinham capacidade para absorver mais de 23 mil matriculados, o que representava um acréscimo de 100% sobre os números de 2001. Portanto, como mencionado acima, embora o projeto do Cruesp não mencionasse essa modalidade de ES como o foco da expansão proposta, foi nela que a maior parte da expansão do sistema público, de fato, ocorreu entre 2001 e 2006.

Cursos sequenciais e básicos, de dois anos, uma alternativa possível dentro da legislação vigente, praticamente não foram desenvolvidos em São Paulo (nem no Brasil) naquele período.

O PLANO DIRETOR

Em 2005, ao final do prazo considerado para o programa de expansão proposto pelo Cruesp em 2001, com os resultados mencionados acima, iniciou-se dentro da SECTD, no Comitê de Ciência e Tecnologia (Concite), por iniciativa de Carlos Henrique de Brito Cruz, então reitor da Unicamp, a discussão sobre a elaboração de um plano estratégico de longo prazo para o desenvolvimento do sistema de ES estadual. Este teria um horizonte de execução mais longo (até 2020), com metas para o ES de São Paulo atingir a maturidade, preservando-se e consolidando-se a qualidade das universidades estaduais e tratando o ES existente como um sistema integrado, incluindo-se o setor privado.

A proposta se concretizou com o Decreto nº 49.829, de 25 de julho de 2005, do governador Geraldo Alckmin, cujo Art. 1º estabeleceu a composição do Comitê Executivo, presidido pelo titular da SCTDE, Dr. João Carlos de Souza Meirelles5, com constituição próxima à do Concite, que teria a missão de elaborar o Plano Diretor para o Desenvolvimento do Ensino Superior Público do Estado de São Paulo.
O Art. 5º previa a organização de Grupos de Trabalho (GTs) de assessoria técnica ao Comitê Executivo, com a função de fornecer dados e informações e sugerir ações relacionadas à elaboração do Plano Diretor. Os GTs foram estabelecidos na Resolução SCTDE nº 11, de 5/12/2005, nas áreas que o decreto governamental estabeleceu como relevantes para a elaboração do Plano Diretor:

Artigo 2º – O Plano Diretor a ser elaborado deverá, entre outras, abordar e propor medidas referentes a:
I – demanda: evolução e necessidades regionais;
II – acesso: expansão de vagas e inclusão social;
III – natureza organizacional e administrativa;
IV – custos e seu financiamento;
V – inovação e competitividade.

Além dos coordenadores e subcoordenadores, compuseram os GTs várias dezenas de pessoas, entre elas líderes acadêmicos das universidades e do sistema das Fatecs, membros da comunidade empresarial, especialistas em ensino superior e membros da administração estadual (ver lista dos participantes nos documentos já mencionados).

Na mesma resolução, foi indicado o Coordenador Executivo, o autor deste artigo, com a função de coordenar os trabalhos dos GTs e a elaboração das propostas a serem incluídas no relatório final do Plano Diretor.

Em sua primeira reunião, em 14 de dezembro de 2005, o Comitê Executivo aprovou o documento geral de orientação para a elaboração do Plano Diretor, no qual foi estabelecido que o objetivo central do plano seria

... uma expansão significativa do sistema público de ensino superior [no Estado], em particular do sistema estadual, mas considerando também os sistemas federal e municipal.

Também ficou determinado que o escopo temporal do Plano Diretor seria o período de 2006 a 2020.
Na mesma reunião, foi estabelecido que o Plano Diretor deveria servir ao propósito de solidificar o papel fundamental das três universidades paulistas, garantindo condições institucionais para que se desenvolvessem segundo as características das melhores universidades (de pesquisa) existentes no plano mundial. Em particular, foi reafirmada, por diversos membros do Comitê Executivo, a importância que o instituto da autonomia, nos moldes empregados pelo sistema universitário paulista, vinha tendo e deveria continuar a ter no contexto do plano a ser proposto.

Durante o período de janeiro a outubro de 2006, o Comitê Executivo e os GTs trabalharam sobre dados e propostas preliminares. Os resultados consolidados foram apresentados numa reunião ampliada do Comitê Executivo, ocorrida em 9 de novembro de 2006, para a qual foram convidados os coordenadores e subcoordenadores dos GTs.

As análises e propostas se concentraram nas seguintes áreas:

• Princípios gerais do desenvolvimento do sistema de ES público do estado de São Paulo;

• Estrutura, coordenação e missão do siste-ma de ES do estado de São Paulo;

• Expansão da graduação presencial;

• Formação de pessoal técnico e docente
para as redes públicas de educação
infantil e básica;

• Pós-graduação;

• Informação e avaliação;

• Inovação e competitividade;

• Educação a distância e novas tecnologias.

Outras duas áreas não tiveram propostas definidas, tendo sido considerado que deveriam ser objeto de estudos mais aprofundados: novas formas de acesso ao ES e inclusão social; e atividades de extensão.

PROPOSTAS DO PLANO DIRETOR

Apresentamos nesta seção um resumo, com as principais análises e recomendações contidas no relatório final do Plano Diretor. Mais detalhes e a lista completa de recomendações constam do relatório e de seus anexos, já mencionados.

Princípios gerais do desenvolvimento do sistema de Ensino Superior público do estado de São Paulo

O Plano Diretor considerou o sistema de educação superior do estado de São Paulo de forma integrada, incluindo-se os sistemas públicos estaduais, municipais e federais e o sistema privado. A diversidade institucional existente nesse sistema deveria ser explorada de forma eficaz e coordenada no sentido de se ampliarem suas potencialidades, qualitativas e quantitativas.

O sistema de universidades estaduais, composto pela USP, pela Unicamp e pela Unesp, continuaria a ser o locus privilegiado do sistema quanto à formação acadêmica plena, tanto em graduação como em pós-graduação, assim como quanto ao desenvolvimento da pesquisa científica e da produção cultural originais. A forma de financiamento contemplada pelo Decreto da Autonomia deveria ser preservada.

A meta para a expansão do ensino de graduação, para o sistema como um todo, seria dobrar a participação dos jovens de 18 a 24 anos em curso de graduação (presencial e/ou a distância), dos então 15% para 30%. Na esfera estadual, caberia papel fundamental nesse processo ao ensino profissional e tecnológico, representado pelo sistema das Fatecs.

O Plano Diretor previa a qualificação de cada um dos setores que compõem o sistema, no sentido de que os diversos segmentos (público – estadual, municipal ou federal – e privado – com ou sem fins lucrativos) teriam metas associadas às suas missões, como descritas nas recomendações específicas, diretamente estabelecidas (no caso do sistema estadual) ou induzidas (nos demais casos, por meio de políticas públicas).

O Plano Diretor dedicou atenção especial à necessidade de qualificação do sistema público de ensino médio, tanto o regular como o técnico/profissionalizante, parte integral do sistema educacional estadual e fundamental para a formação pré-terciária. Para tal, a formação de docentes para esse sistema deveria se tornar missão central do sistema de ES.

Finalmente, o Plano Diretor deveria contribuir para intensificar a inclusão dos segmentos menos favorecidos da população à educação superior, tanto pela expansão do sistema como por políticas específicas para esses grupos.

Estrutura, coordenação e missão do sistema de Ensino Superior do estado de São Paulo

Foi proposta a organização de uma Comissão de Educação Superior, no âmbito da SCTDE, com representantes do Executivo, das instituições de ensino superior, públicas e privadas, e da comunidade externa, com o objetivo de assessorar o Executivo quanto a propostas relacionadas a esse setor da educação, em particular aquelas recomendadas pelo Plano Diretor.

As universidades estaduais – USP, Unicamp e Unesp – deveriam seguir o formato de então, garantido o modelo de autonomia vigente. Sua missão estaria concentrada na formação acadêmica de alto nível, na produção científica e cultural original e na missão de desenvolver com exclusividade, exceto em situações especiais, a formação de doutores no sistema público estadual. Indicou-se a oportunidade para que as universidades considerassem novos modelos acadêmicos para seus programas de graduação, desde o acesso até a forma de opção nos cursos, já que o modelo vigente tende à segmentação em carreiras e programas rígidos e estanques, com pouca flexibilidade e adaptabilidade aos novos rumos da ciência e do conhecimento e das aplicações destes pela sociedade.

O sistema de Fatecs permaneceria sob a coordenação do CEETEPS, que poderia vir a adquirir autonomia administrativa num prazo apropriado, após os estudos de viabilidade, vinculado diretamente à SCTDE, como autarquia estadual. Sua missão primordial seria a formação de graduação tecnológica e profissional, com cursos de três anos de duração. Poderia desenvolver pesquisa e pós-graduação, neste caso até o nível de mestrado, sempre com foco profissionalizante e de maneira integrada aos setores produtivos onde estiver instalado o campus. Poderia desenvolver programas de doutorado em casos excepcionais, em parceria com programas das universidades estaduais. Poderia vir a sediar um programa experimental de formação de professores para o ensino médio. Deveria cobrir todo o estado de São Paulo, atingindo 54 unidades e cerca de 180 mil alunos matriculados em 2020. Deveria ter estabelecido a carreira para o corpo docente com o objetivo de se criar um grupo de docentes em caráter permanente, com estímulos à sua qualificação; isso não deveria causar a perda do caráter dinâmico associado ao setor produtivo que docentes oriundos do meio profissional trazem para as salas de aula e os laboratórios das instituições, em parcerias ou via contratação para ministrar disciplinas específicas. A vinculação orçamentária, nos moldes daquela empregada no sistema de autonomia das universidades, poderia vir a ser desenvolvida quando o sistema atingisse maturidade administrativa e acadêmica.

O sistema de instituições municipais de ES (Imes) teria por missão, no contexto do Plano Diretor, a formação acadêmica plena de graduação, prioritariamente complementar àquela oferecida pelas universidades estaduais e Fatecs. Participariam do processo de expansão da graduação no estado por meio de um programa de incentivos e de um sistema de bolsas de estudo do governo estadual. A contrapartida a essa participação seria a qualificação das instituições participantes, incluindo uma carreira docente compatível com suas atividades e um programa de desenvolvimento institucional coerente com sua missão. Teriam papel relevante na formação de professores para as redes municipais e estaduais de educação básica.

O governo estadual deveria interagir com o governo central para que o sistema federal de IES, que tem caráter muito relevante na produção científica e na pós-graduação no estado – em particular a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) –, viesse a se ampliar significativamente, com o objetivo de aumentar a oferta de vagas públicas na graduação. Esse sistema estaria muito aquém do que seria apropriado, em termos de participação do sistema federal para São Paulo, que detinha, então, 22% da população do País.

No caso das instituições privadas, estas deveriam ser incentivadas a manter a atual oferta de vagas em graduação e a ampliar a ocupação dessas vagas, visando às metas propostas de se dobrar a abrangência desse nível. Poderiam participar, na medida do que fosse viável e considerado prioritário, de programas de financiamento estaduais para o ES, em particular os programas de bolsas de estudos, conforme estes fossem estabelecidos. As IES privadas sem fins lucrativos com programas de qualificação e de desenvolvimento institucionais bem avaliados teriam prioridade para participar desses programas, mas as demais não estariam excluídas, principalmente em setores de formação considerados prioritários.

Expansão da graduação presencial
A proposta básica do Plano Diretor foi a de que o sistema de ES de São Paulo, globalmente, atingisse 2,4 milhões de matriculados em nível de graduação em 2020, dobrando o número de 1,2 milhão de matriculados em 2006, a fim de atingir a meta de 30% de taxa líquida de matrículas no ES do estado.

As universidades estaduais, então responsáveis por cerca de 100 mil matrículas, poderiam ampliar a oferta de vagas, na medida em que o crescimento real da dotação orçamentária vinculada permitir, levando-se em conta, primeiramente, a qualificação da expansão ocorrida no período 2001-2006.

O sistema de Fatecs seria o foco da ação de expansão no âmbito estadual, com crescimento significativo tanto no número de unidades quanto no de matriculados, assim como na variedade da oferta de cursos. Deveria duplicar o número de unidades, de 26 em 2006 para 54 em 2020, e ampliar em pelo menos dez vezes no número de matriculados, de 18 mil em 2006 para 180 mil em 2020. Além disso, as Fatecs deveriam ampliar o escopo das suas atividades, incorporando, ao longo do processo de expansão, atividades que sejam consideradas relevantes à formação de graduação tecnológica e profissional, segundo as necessidades e prioridades estabelecidas durante o desenvolvimento dos programas do Plano Diretor.

O sistema de IES municipais participaria do processo de expansão de forma significativa, via programas públicos federais, estaduais e municipais de incentivo. Esses programas contemplariam a expansão da oferta de bolsas de estudo e outras formas de incentivo. Como contrapartida, as IES municipais participantes elaborariam programas de qualificação institucional compatíveis com sua missão nessa área, seguindo o Plano de Avaliação, Qualificação e Responsabilidade a ser elaborado no escopo do Plano Diretor. O sistema buscaria ampliar o número de matrículas de 60 mil para cerca de 200 mil até 2020.

Os sistemas federais e privados, fora do escopo institucional do poder público estadual, deveriam também ser instados a colaborar para o cumprimento das metas.

Formação de pessoal técnico e docente para as redes públicas de educação infantil e básica

As necessidades de um sistema adequado de ES requereriam, reconheceu o Plano Diretor, que o estado dedicasse especial atenção à educação básica e infantil, em particular no nível médio (regular ou técnico), tendo em vista a preparação dos jovens para a educação superior de qualidade, seja acadêmica, seja profissionalizante ou para o ingresso no mercado de trabalho.

Assim, a formação de pessoal para atuar nos níveis educacionais pré-terciários, do infantil ao médio, seja de docentes, seja de pessoal técnico-administrativo, deveria ser foco de ações especiais por parte do sistema de ES do estado de São Paulo. Para tal, foi proposta a formação de um GT sobre o tema, com ações coordenadas pela Comissão de Educação Superior. Além da expansão dos programas nas universidades públicas (incluindo as federais), foi proposto que, onde fosse possível, esses programas deveriam incluir as do sistema de instituições municipais. Alternativa e complementarmente, o sistema das Fatecs também poderia ser mobilizado nessa direção, em locais onde não há campi das universidades públicas nem das instituições municipais.

Pós-graduação

Dada a importância das três universidades paulistas para a formação de mestres e doutores no País, recomendou-se que elas mantivessem os seus programas acadêmicos de pós-graduação, seguindo o modelo atual, com gradativa qualificação dos mesmos. Estes deveriam se expandir pela introdução de programas de doutorado onde ainda não existissem, de forma também qualificada.

Indicou-se a oportunidade de a Fapesp investir de forma organizada e consistente em bolsas-sanduíche de doutorado e de pós-doutoramento no exterior em todas as áreas, uma vez que, após o grande crescimento da pós-graduação via formação de doutores fora do País até o final dos anos 1980, observa-se em anos recentes uma diminuição desse fluxo, pela retração dos órgãos federais de fomento a esse tipo de investimento. Mesmo considerando-se a maturidade de vários setores no que tange à formação em pós-graduação e à produção científica, seria fundamental que os novos pesquisadores tivessem experiência de cooperação internacional o mais cedo possível.

Foi proposto também que a Fapesp realizasse estudos detalhados para determinar que áreas do conhecimento acadêmico nas universidades estaduais consideradas relevantes ainda não atingiram a maturidade em termos de produção científica e formação em pós-graduação, eventualmente criando programas de intercâmbio internacional e convênios nessas áreas.

Dependendo dos resultados do GT sobre a Formação Profissional para a Educação Básica e Infantil, a Fapesp poderia analisar a viabilidade de um programa de longo prazo para especialização/mestrado profissional, incluindo convênios internacionais, para pessoal docente de programas de formação de docentes e administradores para as redes públicas de educação infantil e básica.

Informação e avaliação

Foi proposta a organização, no âmbito da SCTDE, de um sistema completo de dados relacionados à educação superior, mas não restrito apenas a esse setor educacional, visando propiciar aos órgãos de estado, a pesquisadores e a outras instâncias as informações necessárias para o desenvolvimento e acompanhamento das recomendações do Plano Diretor. Além disso, recomendou-se a elaboração de um Plano Estadual de Avaliação, Qualificação e Responsabilidade, com parâmetros dirigidos a cada setor do sistema de ES do estado, público e privado, que se referenciem pelas missões de cada setor estabelecidas pelo Plano Diretor. A elaboração desse Plano de Avaliação seria coordenada pela Comissão de Educação Superior.

Inovação e competitividade

O GT que organizou os trabalhos nessas áreas propôs um modelo em cinco etapas:

1. Sistema de inovação do estado de São Paulo;

2. Tendências tecnológicas gerais, setoriaise regionais;

3. Processo de ensino para fomento da inovação e do empreendedorismo;

4. Natureza da pesquisa universitária funcional;

5. Levantamento de indicadores de outrospaíses (benchmarks).

A partir desse modelo, foram desenvolvidos quatro estudos para subsidiar as propostas:

• Interpretação do sistema paulista de inovação e sua evolução prospectiva para 2020;

• Tendências tecnológicas mundiais, vocações tecnológicas setoriais e regionais do estado;

• Natureza da pesquisa universitária funcional para a inovação e a competitividade;

• Indicadores de outros países.

O GT indicou que seriam necessárias análises qualitativas dos resultados dos estudos para adequá-los às finalidades do Plano Diretor, sendo que caberia à Comissão de Ensino Superior a elaboração dessas propostas em consonância com os objetivos e as demais propostas do Plano Diretor.

Educação a distância e novas tecnologias

O GT sobre natureza organizacional e administrativa, que analisou modelos acadêmicos e institucionais, elaborou um estudo sobre modelos de educação a distância existentes no Brasil e em outros países. Não houve recomendações explícitas sobre tais modelos, mas foi indicado que uma proposta nessa direção seria bem-vinda, cuidando-se para incluir as universidades e as Fatecs no processo, além de buscar a integração com o sistema federal, que já estava em fase de implantação em 2006.

O PLANO DIRETOR, O DESENVOLVIMENTO RECENTE E OS DESAFIOS
FUTUROS DO SISTEMA DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICO DE SÃO PAULO

Primeiramente, do ponto de vista institucional, com a posse da nova administração estadual, o Plano Diretor foi transferido, no início de 2007, para a recém-criada Secretaria de Ensino Superior (SES). Os trabalhos, como estavam, foram relatados à nova equipe em duas reuniões em que foram apresentadas as propostas e os estudos realizados, incluindo um sobre educação a distância. Essa iniciativa coletou informações e dados que apoiaram a proposta de criação da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), que iniciou suas atividades em 2009. O sistema das Fatecs, no entanto, permaneceu sob a Secretaria de Desenvolvimento (SD).

A proposta de se criar um banco de dados atualizados sobre educação, para subsidiar os trabalhos decorrentes do Plano Diretor e apoiar pesquisas na área, foi levada adiante ainda antes da mudança institucional, sendo depois transferida para a SES. Seria interessante que fosse reativada a sua atualização e tornadas disponíveis as informações à comunidade acadêmica. O desenvolvimento de estudos longitudinais na área da educação, incluindo a educação superior, ainda ocorre de forma esporádica em nosso país. Um banco de dados, como o proposto, seria muito útil como fonte de informações para estudos desse tipo, motivados pelas propostas do Plano Diretor.

Gráfico 4 – FACULDADES DE TECNOLOGIA (FATECS): VAGAS,
MATRÍCULAS E UNIDADES, 2000-2010

O sistema federal de ensino superior em São Paulo vem obtendo maior atenção do MEC, a partir de 2006, com a ampliação das vagas na Unifesp e na UFSCar e com a criação da Universidade Federal do ABC. São iniciativas bem-vindas que terão impactos positivos sobre o sistema público no estado. Porém, em termos de oferta em vagas na graduação, ainda representará, ao final da expansão propota, uma fração pequena do total de matrículas (cerca de 30 mil, ou aproximadamente 2% do total) no ES no estado.

Outro aspecto novo no cenário federal foi a criação do programa de incentivo fiscal e de financiamento para vagas no sistema privado, o Prouni. Esse programa tem tido impacto ao criar oportunidades para jovens de baixa renda nas IES privadas; no entanto, ele ainda precisa ser avaliado em termos de resultados, da qualificação das instituições beneficiadas e da permanência dos estudantes.

Além desses pontos, com foco no sistema público paulista, o processo que levou à elaboração do Plano Diretor, como relatado neste artigo, teve diversas consequências. As mais importantes foram os debates e as propostas relacionados às missões e aos papéis dos dois segmentos que compõem o sistema estadual público de ES: a) a consolidação do sistema de universidades como o centro das atividades acadêmicas tradicionais, com a missão de produção de conhecimento e cultura e de formação dos doutores nas diversas áreas; b) o reconhecimento do papel que as Fatecs vêm desempenhando, de forma crescente, no sistema, tanto do ponto de vista da expansão numérica, com a oferta de mais vagas para os jovens, como da sua importante função de formar pessoal em nível superior que possa colaborar de forma direta para o desenvolvimento dos diversos setores da economia estadual (e nacional), incluindo suas necessidades regionais.

Tanto em um como em outro caso, São Paulo segue uma tendência internacional de qualificar as universidades que têm perfil de instituições de pesquisa e de ampliar a oferta e a abrangência do sistema de ES estendendo a educação profissionalizante ao nível superior. No que se refere às universidades, ainda vemos poucas iniciativas quanto à inovação acadêmica no ensino de graduação ou relacionadas à questão da vivência estudantil e da qualidade do ensino. Mencionamos, no entanto, a criação, em 2009, do Grupo de Estudos em Ensino Superior (GEES)6 na Unicamp, vinculado ao Centro de Estudos Avançados (CEAv) dessa universidade, que congrega pessoas que participaram da elaboração do Plano Diretor. Esse grupo vem interagindo fortemente com a Pró-reitoria de Graduação no sentido de realizar estudos sobre educação superior, trazer especialistas da área e viabilizar iniciativas visando ao aprimoramento da formação em graduação universitária, entre outros objetivos.

Quanto ao ES profissionalizante, países bem-sucedidos em termos de educação superior – tanto os que têm sistemas maduros, como Canadá e França, quanto os com expansões recentes vigorosas, como Chile e Coreia do Sul – têm forte presença de sistemas de educação superior profissionalizante, semelhantes ao das Fatecs. Para indicar como o sistema das Fatecs vem se expandindo desde 2006, reapresentamos o Gráfico 3 para o período 2000-2010, cobrindo desde o momento imediatamente anterior ao plano de expansão de 2001-2006 até o presente, já depois da elaboração do Plano Diretor.

Observamos, nesses gráficos, que o processo de expansão iniciado em 2001 continua de forma intensa. A meta de 54 unidades do Plano Diretor está próxima de ser atingida (são 52 unidades previstas até o final de 2010). Os números de vagas e de matrículas estão em 20 mil e 60 mil, respectivamente, este último projetado para quando se ocuparem todas as vagas existentes (levando-se em conta que o processo de utilização das vagas demora três anos para se estabilizar). Portanto, em termos das metas propostas no Plano Diretor para esse sistema (54 unidades e 180 mil alunos matriculados em 2020), seria necessário ampliar a capacidade das unidades existentes, visando atender, em média, a um público de cerca de 3 mil a 4 mil alunos. Essa meta parece possível de ser atingida nos próximos dez anos, num cenário de taxa média de crescimento econômico de 5% ao ano, como se projeta para o País e o estado no futuro imediato.

Outro aspecto do sistema das Fatecs que legitima a ampliação do sistema em curso e se coaduna com as propostas do Plano Diretor está relacionado ao desempenho dos graduados nos cursos oferecidos, que vêm obtendo chances profissionais crescentes, com bons salários. Dados do Centro Paula Souza indicam que mais de 90% dos graduados estão empregados em suas áreas de formação um ano após a formatura, com salários que correspondem a mais do dobro do que um profissional com ensino médio, mesmo técnico, recebe mensalmente. Além disso, os salários são em média bastante próximos dos daqueles que concluíram um curso acadêmico tradicional nas universidades. Esses dados são compatíveis com a experiência de outros países que têm sistemas de formação profissional em nível superior. Dados da OCDE indicam que, assim como em São Paulo, na França, no Canadá, na Coreia do Sul e nos demais países-membros da organização, a empregabilidade desse grupo é pelo menos igual à dos jovens que têm formação superior tradicional.

Os desafios que o cenário do ES em São Paulo (e no Brasil) tem pela frente ainda são grandes: avançar na integração dos sistemas das universidades e das Fatecs e das universidades estaduais e federais, na qualificação do sistema das Fatecs e em sua expansão, que já vem ocorrendo em ritmo acelerado, e na qualificação do sistema privado. A questão da internacionalização do ES, um ponto pouco mencionado pelo Plano Diretor, passou a ser central para o desenvolvimento pleno das nossas universidades, sendo, portanto, merecedor de maior atenção por parte das comunidades acadêmicas e administrativas das mesmas. Os aspectos ligados ao tema da inovação, sejam internos – acadêmicos (curriculares) e institucionais –, sejam relacionados à integração do ES à comunidade externa, à sociedade em geral e ao setor produtivo, também requerem atenção especial dos gestores do ES público em nosso estado. Finalmente, a questão da formação inicial de professores para a educação básica, da pré-escola ao ensino médio, continua carente de ações que encaminhem alternativas ao que existe hoje no sistema público. Considerando-se que se trata de atividade que pode ser vista como carreira de Estado, não é razoável que a formação dos profissionais dessa área continue a ser realizada fora do sistema público de ensino superior. A discussão sobre modelos alternativos, em particular análises comparadas com sistemas de países que têm sido bem-sucedidos nessa área, é urgente, principalmente nas universidades públicas estaduais.

Concluindo, o projeto do Plano Diretor teve por objetivo encaminhar, de forma consequente, propostas para o desenvolvimento do ES público em São Paulo, objetivando trazê-lo ao nível dos sistemas existentes em países que, como o Brasil, estão interessados em aprimorar a formação educacional das suas populações, atingindo níveis compatíveis com aqueles exigidos por uma sociedade desenvolvida em todos os aspectos. Foi a primeira tentativa sistemática e abrangente de se elaborar, em nosso estado (e país), uma proposta completa de ação, um plano estratégico de longo prazo, para um dos setores fundamentais da educação. Este artigo buscou registrar e divulgar esse momento importante na vida institucional da educação superior pública no estado de São Paulo e contribuir para os presentes e futuros debates sobre ES em nosso estado e no Brasil.

Notas

O relatório e os demais documentos do Plano Diretor, incluindo a composição do Comitê Executivo e dos Grupos de Trabalho, podem ser encontrados na página do Grupo de Estudos em Ensino Superior da Unicamp: http://www.gr.unicamp.br/ceav/gees/planodiretor.html

O Plano Diretor foi desenvolvido como um dos projetos estruturais em Ciência e Tecnologia, edital da Finep, sediados na SCTDE/SP e financiados pela Fapesp.

Expansão do Sistema Estadual Público de Ensino Superior, Cruesp, 2001: http://www.gr.unicamp.br/ceav/gees/docs/esepes_cruesp_2001.pdf

Ver o texto original de W. v. Humboldt com a proposta para a Universidade de Berlim no Apêndice do livro de Fausto Castilho O Conceito de Universidade no Projeto da Unicamp, Ed. Unicamp, 2008.

A partir de maio de 2006, a professora Maria Helena Guimarães Castro assumiu a pasta e passou a dirigir o Comitê Executivo do Plano Diretor.
Ver http://www.gr.unicamp.br/ceav/gees