19/04/2013

Valor Econômico

Câmara corrige interpretação do STF

Cristian Klein
Castro Júnior / Sec. de Comunic. Social da Câmara dos Deputados
A aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto que impede o acesso de legendas recém-criadas ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV está fazendo com que o Congresso legisle certo por caminhos tortos.
 
A oposição reclama de casuísmo, uma vez que o governo estaria apoiando o texto do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) com o objetivo exclusivo de atrapalhar o surgimento de siglas contrárias à reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. É o caso do Rede Sustentabilidade, partido que está sendo criado pela ex-ministra e presidenciável Marina Silva, que já foi adversária de Dilma em 2010. É o caso da fusão do PPS com o PMN que acaba de fundar às pressas o Mobilização Democrática (MD), articulado sob o patrocínio de outro presidenciável, o governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB).
 
A denúncia, porém, lança mão de argumentos contraditórios e critica um comportamento que impulsiona a própria oposição. De um lado e de outro, tudo gira em torno do jogo da eleição presidencial. Cada um quer se posicionar melhor para 2014. Marina Silva saiu do PV em julho de 2011 e o fim da dúvida existencial de seu Movimento por uma Nova Política só ocorreu diante da decisão de participar da corrida presidencial e da premência de se transformar em partido. A fusão do PPS com o PMN se daria apenas no meio do ano, mas tudo foi apressado com o mesmo objetivo: criar a condição para que deputados animados com uma candidatura de terceira via saiam de suas siglas sem correr o risco de perda do mandato. Pode ser Eduardo Campos, pode ser Marina Silva. O MD já nasce dividido e seus integrantes não sabem para onde vão. Na última eleição, estiveram com o PSDB.
 
O casuísmo é sempre um atributo do antagonista. Mas tudo é interesse, o que sempre move a ação dos políticos. Não é coincidência que os cinco partidos que votaram contra o projeto - PSB, PV, PSOL, PPS e PMN - sejam os que têm alguma pretensão de participar da eleição no ano que vem ou se converteram em peças do jogo. O interesse é tão preponderante que não se restringe a uma luta pelo Planalto. O DEM, um símbolo da oposição, votou como os governistas, por uma questão de sobrevivência. Quer evitar uma nova sangria, depois de ver boa parte de seu quadros migrar para o PSD, criado pelo ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, em 2011.
 
Se há casuísmo, ele de fato pode ser atribuído ao PSD, que é hoje contrário exatamente ao que defendia, por temer que o feitiço vire contra o feiticeiro Está aí a origem do imbróglio que agita hoje o Congresso. Logo depois de fundado, o PSD conseguiu no Supremo Tribunal Federal (STF) que seus mais de 50 deputados federais trouxessem das antigas legendas o tempo de TV e o fundo partidário equivalente ao desempenho individual deles obtido em 2010. Tempo e fundo são os dois recursos mais importantes para a sobrevivência de um partido político no Brasil. O critério de sua distribuição é claro e se baseia no resultado obtido na última eleição à Câmara dos Deputados. Como nova sigla, o PSD deveria ter tido direito somente aos recursos mínimos - até que, na próxima eleição, em 2014, o teste das urnas medisse o seu tamanho. No entanto, em mais um caso de judicialização da política, o Supremo decidiu favorecer o PSD, mesmo em desacordo com a legislação.
 
Se houve casuísmo, ele veio do Judiciário, em 2011, tenha ele decidido ou não sob a influência do governo Se há casuísmo, ele de fato pode ser atribuído ao PSD, que é hoje contrário exatamente ao que defendia, por temer que o feitiço vire contra o feiticeiro. Se houve casuísmo, ele veio do Judiciário, em 2011, tenha ele decidido ou não sob a influência do governo. Se isso ocorreu é algo até mais grave. À época, o governo deu todo apoio a Kassab para fundar a sigla, que abriu uma janela de transferência de deputados que queriam sair da oposição. Se houve influência do Executivo sobre os magistrados para que isso ocorresse, é uma questão bem mais relevante - embora o mesmo tribunal tenha condenado com rigor os réus do mensalão ligados ao PT e ao governo federal.
 
Mas no capítulo de agora conta a favor dos governistas na aprovação do projeto na Câmara, que segue para o Senado, o seu mérito, o seu conteúdo. A proposta explicita e restabelece o teor da legislação original. O Congresso conserta a confusão gerada pelo STF, que abriu a exceção ao PSD.
 
 
(análise publicada no jornal Valor Econômico de 19 de abril de 2013, página A10)