14/06/2005

exame.com

Crise política tende a influenciar decisão sobre taxa de juros

Possibilidade de novo aumento da Selic para demonstrar autonomia não pode ser descartada. Mas, se a decisão for estritamente técnica, a tendência é de manutenção da taxa básica de juros em 19,75% ao ano

A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que começa hoje (14/6) será uma das mais importantes dos últimos meses. Marcada para o mesmo dia dos depoimentos do deputado Roberto Jefferson (PTBRJ), pivô das denúncias contra o partido do presidente Lula, a decisão sobre a taxa básica de juros precisará ponderar condições econômicas que demonstram desaceleração da atividade e políticas que indicam uma das maiores crises já enfrentadas pelo governo petista.

 
O Copom precisará observar indicadores de preços em queda, como o IPCA, que baliza as metas de inflação (0,49% em maio, ante 0,87% em abril), o IGP-M, mais sensível à variação cambial (deflação de 0,30%) e o IPC-Fipe, que demonstra o consumo em São Paulo, a maior cidade brasileira (0,19% contra expectativas de até 0,45%). Além de considerar todos esses índices que refletem uma desaceleração inflacionária, o comitê também terá sobre a mesa os números de desempenho da economia, que mostram uma estabilização da atividade no primeiro trimestre e reforçam a expectativa de queda forte nos investimentos. "Está acontecendo o que os livros-texto de economia ensinam. Há uma defasagem entre elevação de juros e a resultante desaceleração da economia e da inflação", diz Carlos Fagundes, professor de finanças do Ibmec São Paulo. "Depois de nove meses de sacrifício [ou seja, de elevação constante dos juros], estamos colhendo os frutos."
 
Mas em vez de dados estritamente econômicos, os condicionamentos políticos poderão prevalecer sobre a decisão, impondo, inclusive, mais "sacrifícios". O escândalo de corrupção nos Correios e, principalmente, a denúncia por parte do presidente do PTB (um dos partidos que formam a base governista) de que o PT pagava mesada para que deputados votassem a favor do governo , podem introduzir um poderoso componente não econômico nos cálculos e nos atos da autoridade monetária. Pode ser importante demonstrar uma firmeza à prova de intempéries políticas na condução da política monetária.
 
E não faltam ventos fortes. Além das denúncias do deputado Jefferson, o governo viu-se forçado a desmentir publicamente a substituição de Henrique Meirelles na presidência do Banco Central por Murilo Portugal, secretário-executivo do Ministério da Fazenda. A semana da definição de patamar da taxa básica de juros da economia começa por sua vez com a possibilidade de saída do homem forte do governo, o ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu. O saída do líder político que já foi qualificado como o "general da vitória" de Lula em 2002, por ter costurado alianças fundamentais para a conquista do poder, não seria um episódio isolado. Para livrar Dirceu do constrangimento de uma saída solitária e para causar impacto na opinião pública, Lula estaria empenhado na "reinvenção" de seu governo, com ampla troca de ministros.
 
Para Sandra Utsumi, economista-chefe do BES Investimentos, todas essas novidades políticas são muito recentes para direcionar o resultado do Copom. "A contaminação seria admissível só depois de um certo período de stress que mudasse o patamar de câmbio ou as expectativas de investimento", diz. "A hipótese de que o Copom eleve os juros para demonstrar distanciamento e independência não é descartável, mas haveria outras variáveis, econômicas, capazes de justificar uma alta." Entre essas variáveis figuram o comportamento da cotação internacional do barril de petróleo e a permanência dos núcleos de inflação (que excluem as oscilações de preço mais abruptas) em patamares incompatíveis com a meta oficial.
 
A economista ressalta que os dados de inflação permitem a interrupção do ciclo de altas da Selic, atualmente em 19,75% ao ano. O professor do Ibmec concorda. "A tendência da decisão do Copom, que deve ser técnica, é não mexer nos juros", diz. "O estrago da política sobre os preços da economia já aconteceu", afirma o economista. De fato, segundo a consultoria Economática, o valor das ações de 216 empresas, listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, era em 9 de junho 37,5% menor do que em 2 de junho (780,9 bilhões de reais ante 819,1 bilhões).