19/04/2006

O procurador-geral e o ministro

Luís Nassif - Folha de S.Paulo

 

O sábio recluso com quem converso de tempos em tempos está inconformado. Não tem o menor sentido essa idéia de imputar ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a intenção de defender o governo de forma ilícita -pelo simples fato de que nem o fez de forma lícita, diz ele, duro.


No governo, Bastos foi republicano (para usar um termo da moda) até o limite da irresponsabilidade política para com o governo, constata ele. Tome-se Fernando Henrique Cardoso. Não aparelhou o Estado de maneira tão ampla quanto o governo Lula. Mas, em relação à procuradoria-geral, tratou de colocar um procurador discreto porque sabia que é cargo vital e que, quando o governo começa a cair, o primeiro que some é o rapaz do cafezinho, o segundo é o procurador-geral, conforme demonstrou o procurador Aristides Junqueira -aquele que processou, mas não conseguiu provas contra Fernando Collor.


Em toda a história moderna dos Estados Unidos, o procurador-geral (attorney general) é um elemento de defesa da Presidência, diz ele. O fato de haver um procurador-geral, escolhido pelo próprio presidente da República, atacando violentamente a Presidência é a maior prova do espírito republicano-ingênuo do ministro da Justiça, que o escolheu, diz o sábio.


Nem o teórico do Estado moderno, o Barão de Montesquieu, inspirador da Constituição dos EUA, projetou um Estado onde o procurador-geral contribuísse para a sua desestabilização. A Republica é representada pelo governo e não há lógica nesses processos de auto-imolação do governo contra si mesmo.


"Atitude republicana" é uma expressão oca, diz o sábio. Existem os três Poderes, um fiscaliza o outro, todos compõem o Estado. Não se deve esperar desses Poderes nenhuma atitude mítica a não ser o cumprimento das leis na sua letra e espírito. Montesquieu não era um tolo que acreditava em atitudes, acreditava em leis. Há o Estado, com a separação e o balanceamento de Poderes e dentro dessa arquitetura cabe ao Poder Executivo, do qual a procuradoria-geral é parte, cuidar de sua própria defesa.


Quando, nos EUA, se quer investigar com total neutralidade um fato envolvendo o presidente, nomeia-se um promotor independente, como ocorreu no Caso Watergate e também no episódio Monica Lewinsky. Se esse promotor é nomeado como independente é porque fora dessa circunstância a procuradoria-geral não é independente, e sim uma extensão do poder do presidente. Não se poderia ter um personagem como esse, "tão diferente da figura muito mais equilibrada de seu predecessor, Cláudio Fonteles", conclui o sábio.


O sábio anota que, quando se escrever a história deste tumultuado governo do PT, capítulo especial deverá ser dedicado ao inventário dos enormes custos políticos causados pela falta de preparo político do ministro da Justiça, que ele considera pai e mãe das CPIs. Mesmo inconstitucionais -como a CPI dos Bingos-, não mereceram nenhum reparo ou ação de autodefesa do ministro, diz o sábio. Ou seja, o ministro Bastos pecou por excesso de espírito republicano, jamais pela falta.