03/12/2002

Perfil

Cláudio Abramo, um cético apaixonado

Abramo se perguntava qual o objetivo dos jornalistas brasileiros, e como se estivesse seguro da resposta (fazer carreira, ganhar dinheiro), despedia-se: Então já não sou mais jornalista
 
Cláudio Abramo foi o jornalista responsável pela ampla modernização das redações do Estadão e da Folha de S.Paulo. Trotskista, sempre fez questão de frisar que compreendia e trabalhava conforme a natureza do capitalismo. Admitia que deixara de fazer tudo para fazer só o jornal, num brutal ritmo que o forçou a abrir mão até da militância política.
 
Mas não admitia falta de opinião própria. Uma reportagem, para Abramo, tinha de combinar agudo senso de observação com a presença de referenciais universais. Ao mesmo tempo, serenamente reconhecia a engrenagem da grande imprensa: "Quando um jornalista vai trabalhar numa empresa, deve perguntar o que é objetivo, segundo aquele jornal."
 
Apaixonado pela profissão, ao fim de sua carreira queixava-se dos jornalistas que observava: "estão fazendo uma coisa cuja natureza intrínseca e cuja beleza não enxergam". Por diversas vezes recomendou ceticismo, investigação e reconhecimento das complexidades como elementos necessários a um exercício digno do ofício.
 
Para o autoritário comandante de redações, que não teve paciência para ensinar nas salas de aula da Cásper Líbero e da ECA: "é muito difícil improvisar jornalistas através de cursos em escolas canhestras, com professores em muitos casos vítimas da teorização cretinizante ou do pragmatismo castrador". Mas defendia o curso e a regulamentação da profissão, ainda que com modificações, pois desconfiava da cada vez maior oposição dos patrões a um e outra.
 
Com uma pitada de amargura, Abramo se perguntava qual o objetivo dos jornalistas brasileiros, e como se estivesse seguro da resposta – fazer carreira, ganhar dinheiro –, despedia-se, protestando: "Então já não sou mais jornalista, já pertenço a uma espécie em extinção."