INTENÇÃO DO TEXTO
Objetivo é opor “um manifesto do próprio partido à lenda do espectro do comunismo”.
“SIMPLIFICAÇÃO” DA LUTA
Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, senhores e servos, mestres e oficiais, numa palavra: opressores e oprimidos, em oposição constante, travaram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada, uma guerra que acaba sempre pela transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes beligerantes.
Na Roma antiga, encontramos patrícios, cavaleiros plebeus e escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres, oficiais e servos, e, além disso, em quase todas estas classes encontramos graduações especiais [as classes elencadas por Guy Standing não seriam uma forma de pesquisar e detalhas tais graduações nos dias de hoje?].
Entretanto, o caráter distintivo da nossa época, da época da burguesia, é o de ter simplificado os antagonismos de classes [mais uma vez remetendo a Standing, talvez a grande distinção de nossa época, século 21, seja que os antagonismos voltaram a ser complexos, ou seja, perdeu-se essa simplificação, com consequências que Deleuza explora no Post-scriptum sobre as sociedades de controle]. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos inimigos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado.
EXPLORAÇÃO ABERTA
Onde quer que conquistou o poder, a burguesia destruiu todas as relações feudais, patrimoniais e idílicas. Todos os laços complexos e variados que unem o homem feudal aos seus "superiores naturais", esmagou-os sem piedade para não deixar subsistir outro vínculo entre os homens que o frio interesse, as duras exigências do "pagamento à vista". Afagou o sagrado êxtase do fervor religioso, o entusiasmo cavalheiresco e o sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do calculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as liberdades tão afetuosamente conquistadas por uma liberdade única e impiedosa: a liberdade do comércio. Numa palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, estabeleceu uma exploração, descarada, direta e brutal.
“INOVAÇÃO” PERMANENTE
A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e, por conseguinte, as relações de produção, isto é, o conjunto das relações sociais. A conservação do antigo modo de produção era, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Um revolução contÍnua na produção, uma incessante comoção de todo o sistema social, uma agitação e uma insegurança constantes distinguem a época burguesa de todas as anteriores. Todas as relações sociais estancadas e ferrugentas, com o seu cortejo de concepções e de idéias antigas e veneradas, dissolvem-se; as que as substituem envelhecem antes de se terem podido ossificar. Tudo o que tinha solidez e permanência esfuma-se [“se desmancha no ar”]; tudo o que era sagrado é profano, e os homens, finalmente, vêem-se forçados a encarar as suas condições de existência e as suas relações recíprocas com olhos desiludidos.
NO PLACE TO HIDE: MANIFESTO JÁ APONTAVA PARA A GLOBALIZAÇÃO
Impelida pela necessidade de dar cada vez maior saída aos seus produtos, a burguesia invade o mundo inteiro. Necessita implantar-se por toda a parte, explorar por toda a parte, estabelecer relações por toda a parte. Pela exploração do mercado mundial, a burguesia deu um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países. Para grande desespero dos reacionários, retirou à indústria a sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram e estão continuamente a ser destruídas. São suplantadas por novas indústrias, cuja adoção se torna uma questão de vida ou de morte para todas as nações civilizadas, indústrias que já não empregam matérias-primas indígenas, mas matérias-primas vindas das mais longínquas regiões do mundo, e cujos produtos se consomem não só no próprio país, mas em todas as partes do globo. Em vez das antigas necessidades, satisfeitas com produtos nacionais, surgem necessidades novas, que reclamam para sua satisfação produtos das regiões e climas mais longínquos. Em vez do antigo isolamento das regiões e nações que se bastavam a si mesmas, estabelece-se um intercâmbio universal, uma interdependência universal das nações. E isto refere-se tanto à produção material, como à produção intelectual.
Em virtude do rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e do constante progresso dos meios de comunicação, a burguesia arrasta na corrente da civilização todas as nações, até as mais bárbaras. Os baixos preços das suas mercadorias constituem a artilharia pesada que derruba todas as muralhas da China e faz capitular os bárbaros mais fanaticamente hostis aos estrangeiros. Sob pena de corte, força todas as nações a adotar o modo burguês de produção; força-as a introduzir a chamada civilização, quer dizer, a tornar-se burguesas. Numa palavra: forja um mundo à sua imagem e semelhança.
INDICATIVO PRECOCE DE QUESTÕES ECOLÓGICAS
A burguesia, com a sua dominação de classe, que conta apenas com um século existência, criou forças produtivas mais abundantes e mais grandiosas que todas as gerações passadas tomadas em conjunto. A domesticação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação da química à indústria e à agricultura, a navegação a vapor, os caminhos de ferro, os telégrafos elétricos, o arroteamento de continentes inteiros, a regularização dos rios, populações inteiras brotando da terra - qual dos séculos passados pôde sequer suspeitar que semelhantes forças produtivas dormitassem no seio do trabalho social?
CONTRADIÇÃO INTERNA
As relações burguesas de produção e de troca, as relações burguesas de propriedade, toda esta sociedade burguesa moderna, que fez surgir tão poderosos meios de produção e de troca, assemelha-se ao mago que já não é capaz de dominar as potências infernais que desencadeou. Durante as crises [...] a sociedade encontra-se subitamente reconduzida a um estado de barbárie momentânea: dir-se-ia que a fome, que uma guerra devastadora mundial a privaram de todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquilados. E tudo isto porquê? Porque a sociedade possui demasiada civilização, demasiados meios de vida, demasiada indústria, demasiado comércio. As forças produtivas de que dispõe não servem já o desenvolvimento da civilização burguesa e das relações de produção burguesas; pelo contrário, tornaram-se demasiado poderosas para estas relações, que constituem um obstáculo ao seu desenvolvimento [...] As relações burguesas tornaram-se demasiado estreitas para conter as riquezas criadas no seu seio. Como é que a burguesia vence estas crises? Por um lado, destruindo pela violência uma grande quantidade de forças produtivas, por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que conduz isto? A preparar crises mais gerais e mais violentas e a diminuir os meios de preveni-las.
O PROLETÁRIO
Mas a burguesia não forjou apenas as armas que a levarão à morte; produziu também os homens que empunharão essas armas: Os operários modernos, os proletários. À medida que cresce a burguesia, quer dizer, o Capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários modernos, que não vivem senão na condição de encontrarem trabalho e que só o encontram se o seu trabalho aumentar o capital. Estes operários, obrigados a vender-se dia a dia, são uma mercadoria, um artigo de comércio como qualquer outro, sujeito, portanto, a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.
O emprego crescente das máquinas e a divisão do trabalho, fazendo perder ao trabalho do proletário todo o caráter de autonomia, fizeram, consequentemente, que ele perdesse todo o atrativo para o operário [não consigo deixar de pensar nos jornalistas, hoje]. Este converte-se num simples apêndice da máquina e só se lhe exige as remunerações mais simples, mais monótonas e de mais fácil aprendizagem. Portanto, o que custa o operário reduz-se pouco mais ou menos ao custo dos meios de subsistência indispensáveis para viver e perpetuar a sua descendência. Mas o preço do trabalho,10 como o de toda a mercadoria, é igual ao seu custo de produção. Por conseguinte quanto mais fastidioso é o trabalho, mais baixos são os salários. Mais ainda, quanto mais se desenvolvem a maquinaria e a divisão do trabalho, mais aumenta a quantidade de trabalho,11 quer mediante o prolongamento da jornada de trabalho, quer pelo aumento do trabalho exigido num tempo determinado, pela aceleração das cadências das máquinas, etc.
O proletariado passa por diferentes etapas de desenvolvimento. A sua luta contra a burguesia começa com a sua própria existência. A princípio, a luta é entabulada por operários isolados, depois, por operários de uma mesma fábrica, mais tarde, pelos operários do mesmo ramo da indústria, numa mesma localidade, contra o burguês que os explora diretamente. Não se contentam com dirigir os seus ataques contra as relações burguesas de produção, e dirigem-se contra os próprios instrumentos de produção:12 destroem as mercadorias estrangeiras que lhes fazem concorrência, quebram as máquinas, incendeiam as fábricas, tentam reconquistar pela força a posição perdida do artesão da Idade Média [LUTANDO PARA EVITAR O PIOR, PARA ASSEGURAR O PASSADO? Como temos feito hoje para repelir a terceirização indiscriminada e defender a CLT?].
Mas a industria, no seu desenvolvimento, não só aumenta o número de proletários, como os concentra em massas cada vez maiores; a força dos proletários aumenta e eles adquirem uma maior consciência dessa força. Os interesses e as condições de existência dos proletários igualam-se cada vez mais à medida que a máquina apaga as diferenças e reduz o salário, quase em toda a parte, a um nível igualmente baixo. Como resultado da crescente concorrência dos burgueses entre si e das crises comerciais que daí resultam, os salários tornam-se cada vez mais instáveis; o constante e acelerado aperfeiçoamento da máquina coloca o operário numa situação cada vez mais precária.
Esta organização do proletariado em classe, e portanto em partido político, é sem cessar destruída pela concorrência entre os próprios operários. Mas renasce sempre, e cada vez mais forte, mais firme, mais potente [é assim hoje?].
CLASSE MÉDIA E LÚMPEN: NÃO CONTE COM ELES
As classes médias - o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês - todas combatem a burguesia porque ela é uma ameaça para a sua existência como classes médias. Não são pois, revolucionárias mas conservadoras. Mais ainda, são reacionárias, já que pretendem fazer andar para trás a roda da história. São revolucionárias unicamente quando têm diante de si a perspectiva da sua passagem iminente ao proletariado: então, elas defendem os seus interesses futuros e não os seus interesses atuais; abandonam o seu próprio ponto de vista para adotar o do proletariado.
O lúmpen-proletariado, esse produto passivo da putrefação das camadas mais baixas da velha sociedade, pode por vezes ser arrastado para o movimento por uma revolução proletária; no entanto, as condições de vida dispô-lo-ão antes a vender-se à reação para servir as suas manobras.
O LIMITE DO CAPITALISMO
Como vimos, todas as sociedades anteriores assentavam no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas. Mas para oprimir uma classe, é preciso poder garantir-lhe condições de existência que lhe permitam, pelo menos, viver na servidão. O servo, em pleno regime de servidão, conseguiu tornar-se membro da comuna, do mesmo modo que o pequeno burguês conseguiu elevar-se à categoria de burguês, sob o jugo do absolutismo feudal. O operário moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, desce sempre mais e mais, abaixo mesmo das condições de vida da sua própria classe. O trabalhador cai na miséria, e o pauperismo cresce ainda mais rapidamente do que a produção e a riqueza. [...] A condição de existência do Capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado assenta exclusivamente na concorrência dos operários entre si. O progresso da indústria, de que a burguesia, incapaz de se lhe opor, é agente involuntário, substitui o isolamento dos operários, resultante da concorrência, pela sua união revolucionária mediante a associação. [HOJE ainda é assim?]
PROGRAMA “UNIVERSAL”
Os comunistas, nas diferentes lutas nacionais dos proletários, destacam e fazem valer os interesses independentes da nacionalidade e comuns a todo o proletariado; nas diferentes fases por que passa a luta entre proletários e burgueses, representam sempre os interesses do movimento no seu conjunto [CONTRA a fragmentação das causas; pensemos no Brasil de hoje].
COMUNISMO NÃO PREGA A ABOLIÇÃO DA PROPRIEDADE EM GERAL
O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa. (A Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em proveito da propriedade burguesa.) Será que o trabalho assalariado, o trabalho do proletário, cria propriedade para o proletário? De maneira alguma. Ele cria o capital, quer dizer, a propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode acrescentar-se na condição de produzir mais e mais trabalho assalariado, a fim de o explorar de novo.
O preço médio do trabalho assalariado é o mínimo do salário, quer dizer, a soma dos meios de subsistência indispensáveis ao operário para manter a sua vida, como operário. Por conseguinte, aquilo de que o operário se apropria pela sua atividade é o estritamente necessário para reproduzir a sua vida, reduzida à sua simples expressão. Não queremos de maneira nenhuma abolir esta apropriação pessoal dos produtos do trabalho, indispensável à mera reprodução da vida humana, essa apropriação que não deixa nenhum lucro líquido que confira um poder sobre o trabalho de outrém. O que queremos suprimir é o caráter miserável desta apropriação, que faz com que o operário não viva senão para acrescentar o capital e tão só na medida em que o interesse da classe dominante exige que viva.
Na sociedade burguesa, o capital é independente e tem personalidade, enquanto que o indivíduo que trabalha não tem independência, nem personalidade (ou “Na sociedade burguesa o capital é independente e pessoal, ao passo que o indivíduo que trabalha é dependente e impessoal”).
Ficais horrorizados por querermos abolir a propriedade privada. Mas na vossa sociedade atual a propriedade privada está abolida para nove décimos dos seus membros. É precisamente porque não existe para esses nove décimos que ele existe para vós. Reprovai-nos, pois, o querer abolir uma forma de propriedade que só pode existir na condição da imensa maioria da sociedade ser privada de qualquer propriedade. Numa palavra, acusais-nos de querer abolir a vossa propriedade. De fato, é isso que queremos.
O comunismo não tira a ninguém a faculdade de se apropriar dos produtos sociais; ele não tira mais do que o poder de subjugar o trabalho alheio por meio desta apropriação.
UM ARGUMENTO “COXINHA” COMUM
Objetou-se ainda que, com a abolição da propriedade privada cessaria toda a atividade e uma preguiça (ou “inércia”) geral se apoderaria do mundo. Se assim fosse, já há muito tempo que a sociedade burguesa teria sucumbido à ociosidade, visto que, nesta sociedade, os que trabalham não ganham e os que ganham não trabalham.
EDUCAÇÃO
A cultura, cuja perda o burguês deplora, não é mais, para a imensa maioria dos homens, do que o adestramento que os transforma em máquinas.
PROGRAMA
1. Expropriação da propriedade da terra e afetação (ou “emprego”) da renda da terra às despesas do Estado.
2. Imposto fortemente progressivo.
3. Abolição do direito de herança.
4. Confiscação da propriedade de todos os emigrados e sediciosos.
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, por meio de um Banco nacional, com capital do Estado e monopólio exclusivo.
6. Centralização nas mãos do Estado de todos os meios de transporte.
7. Multiplicação das empresas fabris pertencentes ao Estado e dos instrumentos de produção, arroteamento dos terrenos incultos e melhoramento das terra cultivadas, segundo um plano se conjunto.
8. Trabalho obrigatório para todos; organização de exércitos industriais, particularmente para a agricultura.
9. Combinação da agricultura e da industria; medidas tendentes a fazer desaparecer gradualmente o antagonismo entre a cidade e o campo.
10. Educação pública e gratuita de todas as crianças; abolição do trabalho das crianças nas fábricas tal como hoje se pratica. Combinação da educação com a produção material, etc.
(LEMBREI-ME DA ANTIPOLITIZAÇÃO DO PT NO PODER...)
O SOCIALISMO CONSERVADOR OU BURGUÊS
Outra forma de socialismo, menos sistemática, mas mais prática, tenta afastar os operários de todo o movimento revolucionário, demonstrando-lhe que não é esta ou aquela mudança política que poderá beneficiá-los, mas apenas uma transformação das condições materiais de vida, das relações econômicas. Reparai que, por transformação das condições materiais de vida, este socialismo não entende, de maneira alguma, a abolição das relações de produção burguesas - a qual só é possível pela revolução -, mas unicamente reformas administrativas realizadas sobre a base das mesmas relações de produção burguesas, e que, portanto, não mudam em nada as relações entre o Capital e o Trabalho Assalariado.