28/10/2017

texto para palestra de 30 de outubro

O que vem pela frente para Berkeley e a Universidade da Califórnia?

Editorial do Los Angeles Times de 23 de fevereiro de 2016

O grande desentendimento entre o governador [do estado da Califórnia, EUA] Jerry Brown e a presidente [uma espécie de reitora de reitores] da Universidade da Califórnia, Janet Napolitano, nunca foi resolvido. Houve confronto, cessar-fogo e acordos. Mas o principal debate persiste: que tipo de instituição deve ser a Universidade da Califórnia nos próximos anos? Continuará sendo a pedra preciosa do sistema público de educação da Califórnia, admirada e imitada em todo o mundo, ou deve reduzir suas ambições e seus cursos à medida que o financiamento governamental declina? Seus campi mais seletivos continuarão atraindo candidatos dentre os estudantes mais bem-sucedidos do país e do mundo? Será que isso é mesmo desejável? Ou seus programas de graduação devem ser reservados para os residentes da Califórnia? Será que um grande número de alunos seguirá para maciços cursos online, que são menos sólidos educacionalmente? Quem vai pagar o grande e crescente número de alunos de baixa renda que recebem descontos integrais na Universidade da Califórnia?
 
A frustração pública com o custo demasiadamente caro da educação universitária... está chegando a um ponto de ebulição.
 
Essas questões de peso estão sendo enfrentadas pelo chanceler [reitor] da Universidade da Califórnia em Berkeley, Nicholas Dirks. Citando o grande e crescente déficit de seu campus, Dirks disse que está repensando as operações da universidade a partir do zero. Muito será deixado de fora em seu reexame da educação e das despesas. Departamentos acadêmicos devem se fundir e cursos online podem substituir alguns dos tradicionais. Estranhamente, uma das poucas áreas em que Dirks prometeu não haver cortes é o número de times esportivos –  embora possam ocorrer cortes no orçamento de atletismo. Esse programa está entre os que operaram em déficit. Mas se esse for um verdadeiro reexame, por que não colocar tudo sobre a mesa? Será que a Califórnia precisa realmente de mais de duas dúzias de times universitários para continuar sendo uma universidade de classe mundial?
 
No confronto entre o governador e a Universidade da Califórnia, é Brown quem está errado na maior parte das questões. Ele parece não reconhecer que a UC é a parte do sistema de educação pública da Califórnia que funciona melhor. Apesar do aumento de preço das mensalidades e do grande aperto de cinto – simplesmente entrar no curso desejado pode representar a frustração de toda uma educação – a UC, e especialmente os seus mais conceituados campi, têm conseguido manter uma parcela significativa do brilho dos dias anteriores à Proposição 13 [uma alteração na tributação estadual]. Berkeley, mesmo no preço total, ainda é um ícone educacional, avaliada regularmente como a melhor universidade pública do mundo. A UCLA vem logo em seguida.
 
A educação superior e a pesquisa de classe mundial que beneficiam a sociedade merecem ser preservadas pelo seu valor inerente. Mas a UC também tem o histórico de atrair pessoas brilhantes e talentosas para a Califórnia, que abrem novos negócios, criam novas indústrias e oferecem empregos altamente remunerados, contribuindo com o estado de muitas outras formas. Todavia, o governador Brown parece imaginar uma universidade que, acima de tudo, passa os alunos rapidamente pela graduação por meio de cursos online, programas de graduação de três anos e outros atalhos.
 
Que não são necessariamente ruins em si mesmos. Alguns alunos aprendem bem em cursos online e apreciam a flexibilidade. Mas os melhores cursos exigem que os professores respondam perguntas e ajudem os alunos a se manter no caminho certo – quer sejam online ou na sala com um professor ao vivo. Isso significa que cursos online de alta qualidade custam quase que o mesmo que cursos do tipo tijolo e argamassa [presenciais].
 
A reimaginação de Berkeley por Dirks é importante, não somente para o campus ou para a UC, mas para o ensino superior em todo o país. A frustração do público com o custo excessivamente caro da educação universitária – e o que lhes parece ser um sistema excêntrico para admitir ou rejeitar candidatos – está atingindo o ponto máximo. Por que não podemos ter educação universitária gratuita para todos, pais e alunos querem saber, como tantos países na Europa fazem? Por que parece haver uma competição acirrada por professores de grande renome que podem não ser tão bons mestres, ou administradores famosos cujo salário às vezes se aproxima de sete dígitos?
 
As coisas precisam mudar, mas ao decidir o que manter e o que descartar, Dirks e outros devem focar na forma como a educação dos alunos será afetada. Seria uma pena, por exemplo, perder grandes programas tradicionais em literatura ou filosofia porque muitas pessoas acham – equivocadamente – que não existe um jeito de transferir essas habilidades para o mundo profissional. (Inglês e filosofia são excelentes preparações para a faculdade de direito e outras carreiras que exigem habilidades de escrita e analíticas.) As universidades devem continuar exigindo uma educação em artes liberais [formação geral], e seu rigor não deve ser amenizado para ajudar os alunos a se formarem mais rapidamente.
 
E a maior prioridade das UCs deve ser educar os alunos do estado da Califórnia. Alguma mistura é desejável; estudantes de fora do estado podem trazer diversidade e vigor acadêmico para a escola. Mas com as admissões de fora do estado agora sendo de um terço dos alunos, enquanto residentes da Califórnia totalmente qualificados não conseguem entrar, a universidade está falhando em sua missão principal. Certamente, a ajuda financeira para estudantes de graduação de fora do estado deve acabar, exceto em casos verdadeiramente excepcionais.
 
Esta é uma oportunidade para repensar não apenas as finanças, mas a própria definição de educação universitária. Vale a pena examinar o sistema em muitos países europeus, onde a universidade é gratuita, mas também é uma versão simplificada do que os americanos consideram ser o ensino superior – inclusive menos interação pessoal com os professores e em que exige-se dos estudantes mais independência.
 
No final, Brown terá de reconhecer que proporcionar uma grande educação universitária custa dinheiro, mas que o investimento retornará para o estado e seus residentes de muitas formas.
 
Então siga em frente, reitor Dirks, redesenhe a universidade pública mais admirada do mundo. Sem pressão. Mas o mundo do ensino superior está observando.
 
NOTA DO PROFESSOR: Recomendo enfaticamente a leitura desta excelente reportagem (2012) de Carlos Orsi sobre, entre outras coisas, a variada terminologia internacional para qualificar funções de governança universitária (chancellor, provost, dean etc.):
Tensão entre autonomia e responsabilidade molda governança. Tendência é que atores externos exerçam mais influência na definição de rumos das instituições de ensino superior